A Lua antropofágica de Tarsila

Um dia, Tarsila do Amaral (1886-1973) disse: “Quero ser a pintora do meu país“. Era 1923.

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“O casaco vermelho”. 1923, ost, 73 X 60,5cm

Embora não tenha participado da Semana de Arte Moderna de 1922, Tarsila foi uma das figuras centrais da pintura e da primeira fase do movimento modernista no Brasil, fazendo parte do Grupo dos Cinco, junto a Anita Malfatti,   Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia.

Recentemente, a obra “A Lua“, uma de suas criações da fase antropofágica, foi adquirida pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), por aproximadamente 20 milhões de dólares (cerca  de 74 milhões de reais).  Esta obra converteu-se na mais cara já vendida de um artista brasileiro, superando “Vaso de flores”, de Alberto da Veiga Guignard, arrematado em um leilão de São Paulo, em 2015 por 5,7 milhões de reais.

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“A Lua”. 1928, ost, 110 cm x 110 cm. Acervo: The Museum of Modern Art (MoMA)

Mas o que foi a fase antropofágica de Tarsila do Amaral?

Em 1928, Tarsila iniciou sua fase antropofágica, que se estendeu até 1930. Na verdade, tudo começou quando deu uma tela de presente de aniversário a seu marido, Oswald de Andrade:  era simplesmente o “Abaporu”. O nome da obra foi conferido por ele e pelo poeta Raul Bopp, que indagou a Oswald ao ver o quadro: “Vamos fazer um movimento em torno desse quadro?” Os dois escritores escolheram um nome para a obra, que veio a ser Abaporu, que vem dos termos em tupi aba (homem), pora (gente) e ú (comer), significando “homem que come gente”.  A obra acabou virando símbolo do movimento antropofágico.

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“Abaporu”. 1928. ost, 85 cm x 72 cm Acervo: Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (MALBA)

O movimento pregava que o artista brasileiro deveria se alimentar das ideias vindas de fora do país, aproveitar aquilo que julgasse interessante e jogar fora o o resto, tal qual faziam os índios antropófagos. Esta identidade cultural teve reflexos também na música brasileira, como por exemplo, a Bossa Nova e o Tropicalismo e também em Villa Lobos, quando se se apropriou da música de J.S Bach para compor uma obra originalmente brasileira:  “As Bachianas Brasileiras.”

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“O Ovo (ou Urutu)”. 1928, ost, 60,5cm x 72,5cm Acervo: MAM/RJ

Outra importante obra da fase antropofágica de Tarsila é “O Ovo“, que mostra um dos símbolos mais importantes da Antropofagia. A cobra grande é um animal que assusta e tem poder de “deglutição”. Além disso, apresenta-se também o ovo, uma gênese, o nascimento de algo novo. Também criada em 1928, atualmente ela pertence ao acervo do MAM/RJ.

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“O Lago”. 1928, ost, 75,5 x 93 cm, Coleção Hecilda e Sergio Fadel, RJ

O Lago” tem ares surrealistas. Mas um surrealismo à la Tarsila, em que a flora parece uma fauna, esta pintura é uma verdadeira fantasia. Algo que poderia existir na cabeça da artista. E a fantasia é uma característica forte nas telas da fase antropofágica.

De “Sol Poente“, falou Tarsila: “Falar com Deus era para mim esse quadro: eu sentada, do terreiro olhando esse tronco que tinha na fazenda, a cor do sol cobrindo tudo, e eu chorando, menina, pedindo perdão por meus pecados.

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“Sol Poente”. 1929, ost, 54 X 65cm

Finalmente, a obra “Composição (ou Figura só “), única obra pintada em 1930. Pintada após a crise de 1929, quando Tarsila já havia perdido quase a totalidade de sua fortuna, mostra uma figura solitária em busca de uma sobrevivência psicológica e intelectual.

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“Composição (ou Figura só)”. 1930, ost, 83 X 129cm

Tarsila do Amaral é hoje a mais valorizada pintora brasileira.

Autor: Catherine Beltrão

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