Ana e Vinicius, dança e poesia…

Botafogo

Ana Botafogo

vinicius

Vinicius de Moraes

9 de julho de 1932: início da Revolução Constitucionalista, ocorrida em São Paulo, contra o governo de Getúlio Vargas.  Uma data importante para ser lembrada e comemorada. Mas este é um espaço de Arte.  Aqui, em mais um 9 de julho, comemora-se o nascimento de Ana Botafogo, a maior de nossas bailarinas, e também lembramos  de quando  Vinícius de Moraes (1913-1980) nos deixou e que, longe de ser “o poetinha“, para muitos, é o poeta maior de nossos corações.

Botafogo2Soneto de Separação

 De repente do riso fez-se o pranto
 Silencioso e branco como a bruma
 E das bocas unidas fez-se a espuma
 E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
 Que dos olhos desfez a última chama
 E da paixão fez-se o pressentimento
 E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
 Fez-se de triste o que se fez amante
 E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
 Fez-se da vida uma aventura errante
 De repente, não mais que de repente.

Botafogo1Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
 Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
 Que mesmo em face do maior encanto
 Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
 E em seu louvor hei de espalhar meu canto
 E rir meu riso e derramar meu pranto
 Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
 Quem sabe a morte, angústia de quem vive
 Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
 Que não seja imortal, posto que é chama
 Mas que seja infinito enquanto dure.

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Botafogo6Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
 Para lembrar e ser lembrados
 Para chorar e fazer chorar
 Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
 Mãos para colher o que foi dado
 Dedos para cavar a terra.
 Assim será nossa vida:
 Uma tarde sempre a esquecer
 Uma estrela a se apagar na treva
 Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
 Falar baixo, pisar leve, ver
 A noite dormir em silêncio.
 Não há muito o que dizer:
 Uma canção sobre um berço
 Um verso, talvez de amor
 Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
 E por ela os nossos corações
 Se deixem, graves e simples.
 Pois para isso fomos feitos:
 Para a esperança no milagre
 Para a participação da poesia
 Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Botafogo5A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
 Mudas telepáticas
 Pensem nas meninas
 Cegas inexatas
 Pensem nas mulheres
 Rotas alteradas
 Pensem nas feridas
 Como rosas cálidas
 Mas oh não se esqueçam
 Da rosa da rosa
 Da rosa de Hiroxima
 A rosa hereditária
 A rosa radioativa
 Estúpida e inválida.
 A rosa com cirrose
 A antirrosa atômica
 Sem cor sem perfume
 Sem rosa sem nada.

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Botafogo3Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
 O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
 Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
 E te amo além, presente na saudade.
 Amo-te, enfim, com grande liberdade
 Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
 De um amor sem mistério e sem virtude
 Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
 É que um dia em teu corpo de repente
 Hei de morrer de amar mais do que pude.

Botafogo8Poema dos olhos da amada

Ó minha amada
 Que olhos os teus
 São cais noturnos
 Cheios de adeus
 São docas mansas
 Trilhando luzes
 Que brilham longe
 Longe nos breus…

Ó minha amada
 Que olhos os teus
 São cais noturnos
 Cheios de adeus
 São docas mansas
 Trilhando luzes
 Que brilham longe
 Longe nos breus…

Ó minha amada
 Que olhos os teus
 Se Deus houvera
 Fizera-os Deus
 Pois não os fizera
 Quem não soubera
 Que há muitas eras
 Nos olhos teus.

Ah, minha amada
 De olhos ateus
 Cria a esperança
 Nos olhos meus
 De verem um dia
 O olhar mendigo
 Da poesia
 Nos olhos teus.

Para complementar o post, dois vídeos: o de Ana Botafogo que, embora seja um comercial, é primoroso (duração: 1:02) ; e o de Vinicius de Moraes, a primeira parte de uma joia antológica sobre o poeta (duração: 10:00).

Em tempo: as fotos de Ana Botafogo foram extraídas de seu site pessoal: www.anabotafogo.com.br.

Autor: Catherine Beltrão

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