Tomei uma decisão. Quando iniciei mais uma parte do post “Ateliers e versos…” , percebi que a trilogia prevista iria virar uma tetralogia: agora, serão vinte espaços onde a arte se cria, seja em forma de pinturas, desenhos, instalações ou mesmo, versos.
Mergulho (abril de 1973)
Hoje a estrela se consome
Mais uma vez.
Dentro da noite há loucuras
Que se confundem.
Hoje me despeço das coisas
Já feitas…
Momentos vitais aparecem nus.
Hoje há discussão entre sons e tons
Dentro de mim
E fora da realidade.
Tristezas se entregam à poesia
E cansadas,
Adormecem vagamente
Sem se importar com meu espanto.
Hoje o mistério se descontrola
E se torna tenso.
Imenso o sentimento
Que se concentra em minha mente.
Penso poder distrair ilusões
Esquecida que estou eu mesma
Embriagada por uma ilusão.
Hoje todos os silêncios se explicam.
Meu pensamento acorda o mundo
E se confessa emocionado.
Há uma presença na espera.
O tempo se desequilibra
E se espalha num mergulho
Através o infinito…
A lágrima (novembro de 1967)
Vento e noite se misturam.
Fazem do tempo um mistério esquecido
E do murmúrio, um silêncio a dois.
Um tom de melancolia se desgraça
Se funde, pra voltar sorriso.
Uma folha cai…
Uma folha vai…
Não se lembra do que deixa atrás de si.
E o ritmo do espaço
Abraça todas as folhas,
Toda a vertigem, toda a loucura.
A noite fica incrédula
De tanto abandono
Em tão pouca esperança.
Chega o momento, imóvel:
Nada respira.
Tudo vive.
Tudo exclama.
Abro os olhos de espanto
E deixo escapar uma lágrima:
A da ausência.
Campos da solidão (março de 1973)
Vim me justificar pelas tristezas
Que cometi.
Vim permitir a velocidade do espaço
Num passado amado.
Vim ter com a noite
Um pacto de ternura.
Preciso me apoiar na poesia
Vinda lá do fundo do amor…
Vou me soltar pelos campos
Da solidão.
Vou acalentar sons e cores
Com os silêncios de meu corpo.
Vou atravessar vidas inertes
Inexistentes no tempo presente.
Preciso me apoiar na poesia
Vinda lá do fundo do amor.
Sou vapor (novembro de 1973)
Sou vapor.
O que resta de um sentimento.
Sou o que precisa de um som.
Sou desesperadamente um pedaço de vida.
O amor me foge pelos dedos, pelos cabelos.
Pelos silêncios,
Pressinto a solidão divina.
Pouco a pouco,
A música se torna amante única.
Sou música.
Estou separada do mundo e da morte.
Vivo plenamente o momento dinâmico.
Tudo se concentra e se dispersa:
Eu, o espaço, o ideal.
Porque pertenço inteiramente ao futuro.
Sou música.
O tempo não me desanima.
Encanta-me a virgindade
Do silêncio derradeiro.
Procuro acompanhar o movimento dos corpos.
E dos pensamentos…
Os homens (junho de 1973)
Por um descuido
Mais ou menos envolvido por ternura,
Hoje me lembrei de vocês.
Me deu melancolia
E constatação de saudade,
Em meio a um sentimento livre:
Vivência.
A partir de vocês
Convivi com o pensamento da noite.
A partir de vocês
Amei tristezas e silêncios.
A partir de vocês
Fiz nascer versos e sons.
Ainda não sei por que
Fertilizei instantes de solidão
Com ilusões.
Talvez seja porque
Vocês fizeram parte demais
De minha existência.
Mueck, Frida, Munch, Botero e Giacometti: homem, mulher, pintor, escultor, vivo, morto… não interessa. O que interessa é a obra. O que permanece é o legado.
Autor: Catherine Beltrão