Cães e gatos ternos e eternos

Um bicho de estimação não se esquece jamais. Será por quê?

Será pela troca intensa de afetos? Será pela alegria mútua a cada reencontro? Será pelos momentos de compreensão compartilhados?

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“Bijou!”, de Edith Blin. 1962

Quando eu tinha doze anos, me veio a Bijou, uma cadelinha preta da raça lulu. Era meiga,  inteligente e afetiva. Esteve comigo até os meus dezessete anos. Foram cinco anos de convívio diário e de descobertas do mundo. Nascida carioca, morou comigo em São Paulo naquele inesquecível ano de 1964.  Quando morreu, aos cinco anos, uma parte minha também se foi. E nunca quis que Bijou fosse substituída em meu coração. Ela foi, e continua sendo, única em minha vida.

Pois é. Vez por outra, encontramos cachorros e gatos em pinturas, poemas e escritos. Resolvi juntar alguns deles e apresentar aqui.

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“Gato dormindo”, de Renoir.

“Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação. Livros e papéis, beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida intelectual.”  Crônica de Carlos Drummond de Andrade.

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“Menina na cadeira de braço” (detalhe), de Mary Cassatt. 1878

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“Gato”, de Pablo Picasso. 1942

Os cães são o nosso elo com o Paraíso. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento. Sentar-se com um cão ao pé de uma colina numa linda tarde, é voltar ao Éden onde ficar sem fazer nada não era tédio, era paz.” , de Milan Kundera.

O Perigo da Hesitação Prolongada, de Victor Hugo.

Toda a gente há-de ter notado o gosto que têm os gatos de parar e andar a passear entre os dois batentes de uma porta entreaberta. Quem há aí que não tenha dito a algum gato: «Vamos! Entras ou não entras?» Do mesmo modo, há homens que num incidente entreaberto diante deles, têm tendência para ficar indecisos entre duas resoluções, com o risco de serem esmagados, se o destino fecha repentinamente a aventura. Os prudentes em demasia, apesar de gatos ou porque são gatos, correm algumas vezes maior perigo do que os audaciosos.

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“Cão”, de Giacometti. 1951.

Subnutrido de beleza, meu cachorro-poema vai farejando poesia em tudo, pois nunca se sabe quanto tesouro andará desperdiçado por aí…
Quanto filhotinho de estrela atirado no lixo!, de Mário Quintana.

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“Gato multicor”, de Aldemir Martins.

“O gato possui beleza sem vaidade, força sem insolência, coragem sem ferocidade, todas as virtudes do homem sem vícios.”, de Lord Byron.

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“Cabeça de cachorro”, de Renoir.

A vila inteira já conhecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava a correr todo animado atrás dos mais íntimos para logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe.

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“Gato com peixes vermelhos”, de Matisse

Mas eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar ansioso naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que pudesse indicar a presença do dono bem amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e levava sua vida normal de cachorro até chegar o dia seguinte. Então, disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao seu posto de espera.

O jovem morreu num bombardeio, mas no pequeno coração do cachorro não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando àquela hora ele disparava para o compromisso assumido, todos os dias. Todos os dias.

Com o passar dos anos (a memória dos homens!) as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para outros familiares. Os amigos, para outros amigos. Só o cachorro já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu) continuou a esperá-lo na sua esquina, com o focinho sempre voltado para aquela direção.”  Lygia Fagundes Telles

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“Cachorro roendo o osso”, de Camille Claudel

Caviloso. Essa palavra saiu da moda mas deveria ser reconduzida, não existe melhor definição para a alma do felino. E certas pessoas que falam pouco e olham. Olham. Cavilosidade sugere esconderijo, cave aquele recôncavo onde o vinho envelhece. Na cave o gato se esconde, ele sabe do perigo.” Lygia Fagundes Telles

 Autor: Catherine Beltrão

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