Há várias formas de resistir a um status quo, à inércia, a uma situação negativa, que vai contra o Ideal de qualquer um de nós. Uma delas é através da criação. A personagem é uma pintora francesa, autodidata, que pintou, nos anos 40, a Resistência Francesa em solo brasileiro.
Um tributo a Edith Blin, a “pintora da alma“.
Edith Blin nasceu na cidade de Pontorson, na Normandia, região ao norte da França, em 22 de julho de 1891. Esta cidade fica bem em frente ao Mont Saint-Michel, uma das maravilhas do mundo. Edith casou duas vezes e teve três filhos.
Nos anos 20 e início dos anos 30, foi atriz, adotando o nome de Edith Dereine. Como atriz, conheceu o pintor belga Georges Wambach, que iria ser decisivo em sua decisão de pintar. Em 1935, embarcou com a família e o amigo Wambach para o Brasil, no navio Bagé. Em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, ainda no Brasil, ela teria perguntado ao pintor por que ele continuava pintando paisagens bucólicas enquanto a Europa era devastada pelos nazistas. E Wambach teria respondido: “ Por que não pinta você o que você sente?”.
E ela começou a pintar.
Autodidata, um ano depois ela fazia sua primeira exposição. Sucesso total. Muitas matérias e artigos em jornais e revistas. O tema principal era a Resistência Francesa, mas ela também pintava nus e retratos. Em 1945 e 1946, mais duas exposições. Mais sucesso. Mais artigos em jornais. Teve até obra estampada em capa de revista.
Em 1947, sua mãe ficou doente e pediu para voltar para a França.
Elas voltaram e Edith doou duas obras para serem leiloadas em um evento visando obter fundos para a construção do portão do cemitério dos soldados mortos na Batalha de Saillant -de-l’Odon, na Normandia. Em agradecimento pelas doações, ela recebeu, então, um pergaminho manuscrito da comunidade local, dotado de mapa, selos e insígnias, relatando a batalha e um texto sobre sua obra.
Ao final deste mesmo ano, sua mãe morreu. Edith não queria mais pintar. Em meados de 1948, sua neta Katia nasceu. A mãe de Katia estava doente e não podia cuidar do bebê. Edith então assumiu a criação da neta. Em 1949, voltou para o Brasil. Enquanto cuidava de Katia, voltou a pintar. Os temas eram variados: flores, paisagens, pierrôs, bailarinas, naturezas mortas e rostos. Muitos rostos. Entre eles, retratos. Muitos retratos.
Edith Blin só voltou a expor em 1969. Neste período, ela já tinha aprimorado muito a sua técnica, usando a cartolina preta como suporte, além da habitual tela. Pintava com pincéis e espátulas para espalhar a tinta a óleo na tela ou cartolina, e os próprios dedos, quando fazia uso do pastel. Fez tantos pastéis, que perdeu as digitais de alguns dedos. Como estudos, deixou muitos desenhos a carvão em vários cadernos. Participou de algumas exposições individuais e coletivas, até sofrer o primeiro derrame cerebral, em 1979. Continuou pintando por mais um ano, mas os derrames se sucederam até sua morte, que ocorreu em 29 de julho de 1983. Tinha 92 anos.
Edith Blin , “la peintre de l’âme” (“a pintora da alma”), deixou um imenso legado. Seu legado não é dimensionado somente pelas obras pintadas, estimadas em cerca de 1300. O legado é muito mais qualitativo do que quantitativo. O que importa é por que pintou, o que pintou e como pintou. Autodidata, começou a pintar porque precisava expressar um sentimento de angústia por sua pátria e seus patrícios que eram dizimados na guerra. Pintou a resistência francesa, pintou os nus etéreos e pintou as flores ao vento. Pintou 148 retratos da neta Katia, de bebê aos 32 anos idade. E inovou na forma de pintar, com o uso da cartolina preta como suporte para suas obras, nos anos 60. Segundo ela mesma dizia, “era mais fácil de rasgar quando não gostava do que havia pintado”.
Autor: Catherine Beltrão