Janelas abertas

Artistas gostam de pintar janelas. Poetas também pensam em janelas. Será por quê? As janelas nos protegem do desconhecido. As janelas nos espiam todo o tempo. As janelas nos sugerem a liberdade.

Janelas_Dali

“Mulher na janela”, de Salvador Dali. 1925.

Houve um tempo em que minha janela se abria
 sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
 Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
 Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
 e o jardim parecia morto.
 Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
 e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
 Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
 E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
 Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
 Outras vezes encontro nuvens espessas.
 Avisto crianças que vão para a escola.
 Pardais que pulam pelo muro.
 Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
 Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
 Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
 Ás vezes, um galo canta.
 Às vezes, um avião passa.
 Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
 E eu me sinto completamente feliz.
 Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
 que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
 outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
 finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
(Cecília Meireles)

Janelas_matisse

“Interior com Violino”, de Henri Matisse. 1917

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
(Alberto Caeiro – heterônimo de Fernando Pessoa)

 

Janelas_hopper

“Morning Sun”, de Edward Hopper. 1930

 

Fensterausblick (Nordseeinsel)

“Vista de uma janela, Ilha do mar do Norte”, de Paul Klee. 1923

Quem faz um poema abre uma janela.
 Respira, tu que estás numa cela abafada,
 esse ar que entra por ela.
 Por isso é que os poemas têm ritmo
 – para que possas profundamente respirar.
 Quem faz um poema salva um afogado.
(Mario Quintana)

“Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto É como se abrisse o mesmo livro Numa página nova…” (Mário Quintana)

 “Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei.” (Mário Quintana)

Janelas_degas

“Mulher na janela”, de Edgar Degas. 1875-1878

O poema é antes de tudo um inutensílio
Hora de iniciar algum
 convém se vestir roupa de trapo.
 Há quem se jogue debaixo de carro
 nos primeiros instantes.
 Faz bem uma janela aberta
 uma veia aberta.
 Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
 enquanto vida houver.
 Ninguém é pai de um poema sem morrer.
(Manoel de Barros – do livro Arranjos para Assobio)

 

Janelas_chagall

“Paris através da janela”, de Marc Chagall. 1913

 

Janelas_Botero1

“Mulher diante de uma Janela”, de Fernando Botero. 1990

Uma noite de lua pálida e gerânios
 ele virá com a boca e mão incríveis
 tocar flauta no jardim.
 Estou no começo do meu desespero
 e só vejo dois caminhos:
 ou viro doida ou santa.
 Eu que rejeito e exprobo
 o que não for natural como sangue e veias
 descubro que estou chorando todo dia,
 os cabelos entristecidos,
 a pele assaltada de indecisão.
 Quando ele vier, porque é certo que vem,
 de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
 A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
– só a mulher entre as coisas envelhece.
 De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
 Como a fecharei, se não for santa?
Adélia Prado

Janelas_Bonnard

“Open Window toward the Seine”, de Pierre Bonnard. 1911-12

O mundo é grande e cabe
 nesta janela sobre o mar.
 O mar é grande e cabe
 na cama e no colchão de amar.
 O amor é grande e cabe
 no breve espaço de beijar.
(Carlos Drummond de Andrade in “Amar se Aprende Amando”)

 “Existem manhãs em que abrimos a janela, e temos a impressão de que o dia está nos esperando.”
(Charles Baudelaire)

“Existe algo mais importante que a lógica: a Imaginação. Se a ideia é boa, jogue a lógica pela janela.”
(Alfred Hitchcock)

Mas o importante é que a janela esteja aberta. Para que possamos alcançar a liberdade. Para que possamos nos exibir ao tempo. Para que possamos fechá-las e nos proteger do desconhecido.

 Autor: Catherine Beltrão

Comments(4)

  1. Responder
    Eduardo Vieira says:

    Uma janela representa muito! Simboliza a receptividade e a abertura para as influências vindas de fora. Em alguns campos, pode ainda ser considerada como sendo um símbolo da consciência. Dependendo de sua forma, pode vir a ganhar significados ainda mais diversos. O que eu mais aprecio é o enquadramento, o recorte que ela propõe – quase como um convite para que nos aproximemos e nos juntemos a ela para apreciar a vista, o passeio, a vida…

    • Responder
      Catherine Beltrão says:

      Lindo, Eduardo! E mais ainda: uma janela separa o presente de um passado ou de um futuro. Corta pensamentos.
      Obrigada, mais uma vez!

  2. Responder
    Márcia Veiga Bucheb says:

    Muitos casamentos surgiram das trocas de olhares das janelas. As janelas olham na cidadezinha qualquer de Drummond. Os doentes olham a vida das janelas dos hospitais e dariam qualquer coisa. A luz entra pela minha janela, ilumina meu quarto e as ideias; torna-me uma pessoa insuspeitavelmente rica, pois faz visível o pó de ouro que brilha em suspensão…

    • Responder
      Catherine Beltrão says:

      Márcia, de repente você iluminou o lado de dentro com a luz que veio de fora, atravessando a janela – aberta ou fechada, não importa – e fazendo enxergar o que já existia e antes não se via: o pó, que tanto faz ser de ouro, de fogo ou de tristeza…
      Obrigada, amiga!

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