Meu pai: pássaro, árvore, céu, universo e deus

Quando eu tinha 17 anos, escrevi uma poesia para meu pai. Ela falava de pássaro e de árvore, de céu e de universo. E de um deus.

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Momentos de meu pai e eu, em 1958, 1965 e 1972.

MEU PAI

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Retrato de Ivan Beltrão, por Georges Wambach. Aquarela, 1929.

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Retrato de Ivan Beltrão, por Georges Wambach. Aquarela, 1936.

Tomai um pássaro
E deixai-o voar;
Não irá tão longe
Como as ideias de meu pai.

Sacudi uma árvore
Repleta de frutos;
Nunca cairão tantos
Quanto os feitos de meu pai.

Olhai o céu:
É de um enorme azul;
Mas não grande e belo
Como o coração de meu pai.

Viajai pelo universo
Séculos sem fim;
Nunca alcançareis
A inteligência de meu pai.

Tirai de um deus
A imortalidade;
E tereis a sombra
Do que possa ser meu pai!

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Home do site www.ivanbeltrao.com

Ivan Beltrão – meu pai – morreu em 1979. 36 anos, pois. São mais anos de saudade do que de vivência.  Mas sua presença permanece em mim e emerge a cada homenagem que lhe presto. Em 2009, desenvolvi um site sobre meu pai, juntamente com Filipe Schuenck, grande amigo, desenvolvedor e webdesigner dos melhores que já conheci. Abaixo, a apresentação do site:

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Retrato de Ivan Beltrão, por Edith Blin. Aquarela, déc. 50.

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Retrato de Ivan Beltrão, por Edith Blin. Óleo sobre cartolina, 1964.

Ivan Beltrão. Um poeta. Um pintor. Um cientista. Um gênio. Meu pai.

Um tributo a um gênio não é tarefa das mais fáceis a ser feita. Tudo o que for pensado será pouco, tudo o que for dito será quase nada. Foram anos de incubação, à espera do momento certo, das pessoas certas que iriam participar deste momento. Chegou a hora. Chegou a hora de atravessar a ponte que me separa da genialidade do meu pai. Esta ponte, construída lentamente através dos anos, foi feita da sensibilidade que nos une, das lembranças de nossas conversas, das saudades de todas as ausências sentidas e vividas. Como pintor, meu pai usou cores para expressar suas emoções e preto e branco para desvendar seus mistérios. Como poeta, trilhou caminhos musicais, para encantar pássaros e anjos. Como cientista, deixou um legado: os originais do livro “A Ciência pelo Caminho das Artes”, que seria o primeiro de uma série, fundindo de maneira única e magistral, seus conhecimentos e experiências nas áreas artística – música e pintura – e científica – física, matemática, engenharia e cosmologia.
 
Há 30 anos, meu pai se juntou às estrelas, com as quais já tinha partilhado noites e noites de vigília, pintando telas ou escrevendo poesia e ciência. Tanto era o conhecimento que transmitia, que foram muitos seus discípulos de alma e sabedoria. Tanta era a luz que dele irradiava, que deve ser agora uma das luzes-guia do Universo, a servir de norte para seus navegantes errantes…

Catherine Beltrão (outubro/2009)”

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Convite para a exposição “A Ciência pelo Caminho das Artes”. 2013, na Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro

Meu pai, tendo trilhado caminhos na Arte e na Ciência, procurava uma lei que unificasse todas as formas de forças conhecidas no Universo, através das leis das curvaturas. Segundo ele, “as curvaturas do Universo são feitas para se unir, tanto na espiral de uma galáxia quanto numa nuvem eletrônica que envolve o proton para formar um átomo de hidrogênio.” Em novembro de 2013, dentro do contexto do projeto “A Ciência pelo Caminho das Artes“, foi realizada uma exposição de parte da obra de meu pai, na Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro, mais especialmente no evento “III Equinócio Cultural”. Em tempo: equinócio tem a ver com equilíbrio entre dia e noite. Equilíbrio entre Ciência e Arte. Esta exposição foi viabilizada graças a duas pessoas muito queridas: minha nora Flávia Lima, astrônoma e meu genro Eduardo Vieira, designer.

Sobre este projeto, já escrevi dois posts neste blog: “A Ciência pelo Caminho das Artes (Parte I)” e “A Ciência pelo Caminho das Artes (Parte II)”.

Meu pai me deixou um imenso legado. Assim como ele, também tenho a dádiva de trilhar os caminhos da Arte e da Ciência. O que tenho tentado fazer, via sites e exposições, é deixar um legado de seu legado.

Autor: Catherine Beltrão

Comments(6)

  1. Responder
    Marcia Leal says:

    Que lindo Catherine… Como sempre , tudo que você escreve se torna uma arte, delicado e profundo.

    Abraços,

    • Responder
      Eduardo Vieira says:

      Concordo com Marcia Leal. Lindo demais. A começar pelo belíssimo poema, escrito aos 17 anos, uma idade em que nem sempre conseguimos ter o discernimento mais perfeito sobre nossos pais. Mas como não esperar esse lirismo, essa alma poética e artística equilibrados com uma invejável visão científica do que a filha de Beltrão e a neta de Blin? 😉

  2. Responder
    Taissa Beltão says:

    Vô Ivan, não o conheci, mas sempre me identifiquei demais com ele. A sua obra é tamanha que transborda sua alma em cada um. Tenho certeza que tenho parte dele em mim…
    Lindo poema, profundo e emocionante!
    Parabéns pelo post mamãe! Beijos

  3. Responder
    Annelise Gripp says:

    Lindo poema! Seu pai tinha sensibilidade minha amiga. Respirava arte. Sei o quanto sentimos a ausencia deles. Mas tivemos grandes pais, mentores pessoais e espirituais que nos auxiliam até hoje. Se somos o que somos, tem o coração dos nossos pais.

    Um grande beijo!
    Annelise

  4. Responder
    Catherine Beltrão says:

    Quando escrevi este post, não imaginei um retorno tão repleto de carinho e sentimento. A gente escreve, põe pra fora, exterioriza o que nos faz feliz, o que nos entristece, o que nos faz pensar. Passados 36 anos, meu pai continua presente dentro de mim, todos os dias. Seu sangue corre nas minhas veias. Seus ensinamentos fazem parte de meu caráter.
    Muito obrigada Márcia, Eduardo, Taissa e Annelise.

  5. Responder
    Sergio Atila Varela Rastelli says:

    Conheci Ivan Blin Beltrao na minha adolescência. Passávamos em frente a um evento seu casualmente e impulsionados pela irreverência da idade, resolvemos entrar.
    Eu, particularmente, fiquei impressionado com sua obra mesmo não sendo conhecedor de Arte, àquela época. No dia seguinte, tivemos o prazer de irmos a sua casa à convite de sua filha, que nos presenteou com Bach e Villa Lobos, ao piano.

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