Misabel Pedroza, a imperatriz do folclore brasileiro

Misabel Pedroza (1927-2005) foi, sem dúvida alguma, uma das maiores defensoras, preservadoras e divulgadoras do folclore brasileiro. Talvez a maior.

Desde 1949, Misabel Pedroza estudou o folclore do Brasil, documentando suas manifestações em trabalhos de pintura, gravura em metal, xilogravuras e esculturas. Como pintora naive, foi reconhecida nacional e internacionalmente, tendo sido premiada diversas vezes.

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Bumba-meu-boi. Década de 80.

 

Conheci Misabel nos anos 80, quando  comecei a me interessar pelo mercado de arte. Cheguei a organizar uma exposição de suas pinturas no IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada. As obras a cores apresentadas neste post foram extraídas de algumas das fotos que consegui achar das que participaram da exposição. Mas, como pode se perceber, as imagens destas obras não apresentam identificação – título, ano, dimensão (a técnica é de óleo sobre tela). Fico no aguardo de alguém que possa fornecer estes dados.

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“Portão do cemitério”, xilogravura, 1973, 54 X 32cm

Em 2003, dois anos antes de sua morte, Misabel Pedrosa lançou quatro livros, frutos de mais de 50 anos de pesquisas e vivências com índios e com populações rurais do norte e nordeste do Brasil. Acerca deste lançamento, transcrevo abaixo a matéria publicada no site do 24horasnews, publicada em 2003. Lamentavelmente, foi o único material que encontrei na Internet sobre a artista, além de pouquíssimas imagens de suas obras.

“Artista plástica lança livros com 50 anos de pesquisas e vivências com índios. O amor à arte fez com que a artista plástica, professora e pesquisadora da cultura popular brasileira Misabel Pedroza, passasse a vida economizando dinheiro para poder publicar suas aventuras com os índios do norte e nordeste e as manifestações folclóricas que também documentou naquela região do país. Aos 75 anos, finalmente, Misabel Pedroza está realizando o sonho de lançar, com recursos próprios, os livros “Folclore do Brasil“, “Festas e Costumes dos Índios“, ” Curso de Decoração e Estudos de Estilos” e ” Desenho, Composição e Gravura“. Todo o trabalho é o resultado de 50 anos de pesquisas e vivências que a escritora teve com os índios das tribos tucanos, canelas, guajajaras e timbiras e, também, com populações rurais do norte e nordeste do Brasil. Os outros dois livros são frutos de suas experiências como professora de arte, decoradora e criadora do Museu do Crato, no Ceará.

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 No livro Folclore do Brasil, Misabel Pedroza catalogou 97 manifestações folclóricas, da década de 60; um verdadeiro tesouro para a nova geração de pesquisadores e amantes da Misabel4cultura brasileira. Durante anos ela viajou com o marido Francisco Xavier Alvarenga, pelo Brasil à fora, documentando a cultura do povo: “o que mostro no meu trabalho é o folclore puro e com três tendências: a africana, a portuguesa e a indígena“.  A autora descreve as festas, ritos e folguedos populares com extrema riqueza de detalhes: os trajes, as cores, os personagens, os instrumentos, reproduz as letras das músicas originais (cujas gravações sonoras ainda estão por ser editadas), e os movimentos das danças, que também são desenhados nas ilustrações do livro para melhor compreensão. O livro surpreende pela criatividade e diversidade cultural das festas e danças descritas como o Reisado de Crato, a Festa de São Sebastião, Tambor de Choro, Pajelança, Curandeira, Terreiro das Portas Verdes, Bumbá meu Boi, As Filhas de Belém, Congada de N. S. do Rosário, Tambor de Crioula, Festa de São Bento, Tambor do Avô Akossi, Dança do Sapo, Tambor de Cigano, Os Caboclinhos, Dança dos Punhais e etc…

Misabel6O livro Festas e Costumes dos Índios é quase um manual de como fazer os adereços, enfeites, adornos, utensílios, roupas, casas e rituais indígenas. O livro surgiu do convívio da pesquisadora com diversas tribos, o que também lhe rendeu muitas histórias interessantes e engraçadas, como a do jacaré que Misabel ganhou numa aldeia e depois quase ficou louca para se livrar do presente de grego, sem que para isso tivesse que matar o bicho ou abandoná-lo em local inadequado. A escritora deixa claro que não é fácil documentar e mostrar a cultura brasileira: é preciso andar por lugares desconhecidos e isolados. “Eu andei no meio do mato, sem saber o que encontraria. Fui a lugares, onde as pessoas pediam para que eu devolvesse a voz delas, pois não conheciam o sistema de gravação por fita cassete. Uma vez ganhei uma viagem para Manaus, fui deixada numa balsa no meio do Rio Amazonas e perguntei para o homem da balsa se ele tinha certeza de que havia índios por ali e ele confirmou. Combinamos dele me pegar dentro de 16 dias. Algumas horas depois, chegaram umas canoas com índios que me resgataram. Passados os dias, ouvimos o ronco do avião e os índios me levaram para a balsa, com muitos presentes. Já com outros índios perto do Maranhão, virei prisioneira; eles me tomaram tudo que eu tinha, me deixando apenas com a roupa do corpo. Mas, nem por isso deixei de catalogar suas manifestações, pois eles me deixavam ver suas danças. Depois de alguns dias, me libertaram.”

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No livro Curso de Decoração e Estudo de Estilos, Misabel monta um interessantíssimo painel sobre os variados estilos e móveis de época do Brasil, Europa, Ásia e África, ilustrado com mais de 260 desenhos a bico de pena. A escritora descreve o clássico, o colonial, primeiro e segundo império, o art-noveau, o arabesco, o bizantino, rococó, elizabetano, victoriano e muito mais. Mostra como se deve decorar ambientes diversos como casas de praia, campo e escritório; como fazer e modificar móveis, aplicar décapé, pátinas, etc.

Misabel9Desenho, Composição e Gravura é ilustrado com 600 desenhos explicativos e oferece um vasto e rico material informativo e formativo para estudantes de desenho, pintura, gravura e xilogravura, descrevendo técnicas, ensinando a utilizar materiais, a pensar e a criar obras de artes plásticas, começando pelo passo a passo do desenho da figura humana, objetos, proporções, equilíbrio, ângulos, planos, perspectivas, erros clássicos, composição, movimentos, claros e escuros e até exercícios. No prefácio, diz Câmara Cascudo: “A observação de 33 anos de prática explica este curso de desenho miraculosamente simples e poderoso. Os problemas desaparecem na luz didática. Não o porquê, mas como fazer“.

Misabel7Misabel8Filha da pintora Olga Mary, (a primeira artista a documentar o desmonte do Morro do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro) e do pintor surrealista e teatrólogo Raul Pedroza, artistas consagrados do início do século XX no Rio; com apenas 11 anos Misabel fez sua primeira exposição individual, à qual compareceram Austregésilo de Athayde, Celso Kelly, Peregrino Jr, Quirino Campofiorito, entre outros convidados famosos. Em 1948 foi convidada a expor na Metropolitan Gallery, em Nova York, iniciando uma série de 38 exposições internacionais por toda a Europa e até na Índia. No Brasil realizou mais de 45 exposições individuais e coletivas, recebendo uma centena de medalhas e prêmios. Sua obra encontra-se em importantes museus e acervos particulares no Brasil e no exterior, e seu nome e biografia figuram nos melhores dicionários de arte brasileiros. Entre os amigos que Misabel Pedroza conquistou ao longo da vida se destacam Guignard, Malagoli, Darel Valença e o presidente Juscelino Kubitscheck. Como professora, Misabel Pedroza lecionou pintura, desenho, gravura e xilogravura em escolas de arte do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Pernambuco.”

O folclore brasileiro deve muito a Misabel Pedroza. Por mais que se faça para a valorização de sua obra, para o resgate de sua memória, a retribuição será sempre muito pequena. E, pelo que sei, nada foi feito até hoje.

Autor: Catherine Beltrão

Comments(6)

  1. Responder
    Eduardo Vieira says:

    Todas as vezes que entro aqui saio com uma sensacao boa. A de ter aprendido, de ter algo novo para contar, ou receber uma centelha para uma pesquisa mais aprofundada sobre um tema até então desconhecido. Em outras vezes, já conheco o assunto, mas o enfoque, o recorte dado é especialmente sedutor para uma leitura atenta e que sempre me delicia com algo inedito. Obrigado por tamanha generosidade!

    • Responder
      Catherine Beltrão says:

      A generosidade só faz sentido se existem os dois lados: o de quem dá e o de quem recebe. Fico muito feliz quando vejo que, vez por outra, alguém lê um destes textos que escrevo no blog e fica com uma “sensação boa”, como você diz. E só consigo saber disso através destes comentários…
      Muito obrigada, Eduardo, valeu demais!

  2. Responder
    Tatiane Portella says:

    Boa noite, comprei um quadro hoje que achei muito bonito, aqui em Petrópolis -RJ, num brechó de garagem. Parece uma gravura em madeira, bem conservada, não assinada, atrás consta colado em papel: MISABEL PEDROSA – Festa na Igreja do Bomfim. Agradeceria por informações sobre essa obra. Desde já agradeço. Tatiane Portella

  3. Responder
    Altair Júnior says:

    Comprei duas gravuras em venda de garagem assinadas por ela queria saber o valor de revenda ?Se alguém souber agradeço meu tel zap 21967240205

  4. Responder
    Maria says:

    Estimada Catherine,
    Me gustaría saber la fecha y localidad de fallecimiento de la artista Misabel Pedroza, si es posible.
    Enhorabuena por su artículo.
    Un saludo cordial

  5. Responder
    Durval Menezes. says:

    Possuo duas pinturas de MISABEL PEDROZA e gostaria de vendê-las.

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