No Dia do Poeta, a poesia de todos os dias…

Todos os dias, quando abro a porta de casa, dou de cara com o Jardim dos Poetas. Meu jardim e meus poetas: Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana e Cecília Meireles.

Fernando Pessoa chega até a alma da gente, arranca as cordas e os cadeados, pega a alma nas mãos e sopra, tira a poeira acumulada. Aí, a alma fica solta, limpa… e feliz. Como ele consegue fazer isso? Mas, não, ele só faz isso se a gente deixa. Eu deixo.

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Obra de Luiza Caetano, retratando Fernando Pessoa e seus heterônimos. Ao clicar na imagem, você acessa o post “Luiza e Fernando, DNA de almas”

HÁ UM TEMPO

Há um tempo em que é preciso
Abandonar as roupas usadas,
Que já têm a forma do nosso corpo,
E esquecer os nossos caminhos,
Que nos levam sempre  aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia.
E, se não ousarmos fazê-la,
Teremos  ficado,para sempre,
À margem de nós mesmos…

Vinicius de Moraes me abriu as portas da poesia e, assim sendo, tive acesso ao infinito. “Para viver um grande amor” e “Para uma menina com uma flor” tiveram suas páginas lidas e relidas, em desordem é claro, porque a gente não lê Vinicius como se lê um romance, a gente lê como se estivesse mergulhando em mar profundo: entre um mergulho e outro, é preciso voltar à superfície, pra saber que o mundo ainda está lá. Lendo e sentindo Vinicius, lá nas profundezas azuis, entre corais e estrelas deitadas na areia, a gente vira concha grávida.

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Retrato de Vinicius, feito por Cândido Portinari

SONETO DA SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente, não mais que de repente.

A poesia do Carlos Drummond me encontrou já adulta, a contar desamores e lágrimas gastas. Não a considero leitura para iniciantes, ávidos de luas cor de prata ou de corações aprendizes. Precisei ter caminhado na esteira do tempo vivido para absorvê-la como é preciso. E como é preciso devorar estas palavras, este jeito de ser e de se transmitir poeta…

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Retrato de Drummond, feito por Cândido Portinari

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Com o Mário Quintana, a poesia se torna meio-sorriso, meio-espanto. Com poucas palavras, ele brinca com a expectativa do lugar-comum, da coisa estabelecida. É um deleite colecionar seus poemetos (poemas pequenos, não poemas menores), para serem lidos em momentos incertos. Pois nos momentos certos, a gente não se espanta com nada.

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Caricatura de Mario Quintana, por Ziraldo

POEMINHA DO CONTRA

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

AUTORRETRATO

No retrato que me faço
– traço a traço –
Às vezes me pinto nuvem
Às vezes me pinto árvore…

Cecília Meireles escreveu poesia para as crianças. Poucos sabem que crianças são poesia em sua essência, antes de se transformarem em seres lógicos e coerentes. Ela sabia. Ler um poema seu é dar um banho na alma, escovando e esfregando bem as reentrâncias formadas pelas rugas que os anos deixaram.

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Autorretrato de Cecília Meireles. Ao clicar na imagem, você acessa o post “As três orquídeas de Edith e de Cecília”

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Para quem quiser saber mais sobre meu Jardim dos Poetas, acesse aqui.

  Autor: Catherine Beltrão

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