No Dia do Trabalho, o trabalhador não trabalha

Em muitos países, no Dia do Trabalho não se trabalha. É feriado. Mas este feriado custou muitas vidas.

Desde 1886, muita gente morreu para reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Estados Unidos, França e Rússia estiveram à frente das manifestações durante décadas. E no Brasil, este feriado acontece desde 1925.

O tema não é dos mais recorrentes na pintura. Não existem muitas obras significativas a respeito. Ou então não se tornaram célebres. Salvo algumas.

Trabalho_Greve_Pellizza

“O Quarto Estado”, de Giuseppe Pellizza. 1901, ost, 293 X 545cm

O quarto estado“, monumental obra do artista italiano Giuseppe Pellizza (1868-1907), põe em foco o proletariado, que entra em greve e ocupa a praça de Volpedo, na Itália, cidade natal do pintor. O quadro se tornou um símbolo da luta dos trabalhadores.

Na pintura brasileira, dois nomes de artistas pintores marcaram a luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho: Tarsila e Sigaud.

Trabalho_Operarios_Tarsila_1933

“Operários”, de Tarsila do Amaral. 1933, ost, 150 X 205cm

Tarsila do Amaral (1886-1973) pintou a obra “Operários” em 1933, após uma viagem à antiga União Soviética.

Dois planos, dois contextos. No primeiro plano, o operariado, formado por etnias diversas, mas com rostos padronizados pela tristeza, sofrimento e resignação. No segundo plano,  as chaminés das fábricas, oprimindo e sufocando  o povo. Esta obra é antológica, metáfora da industrialização.

Eugênio de Proença Sigaud (1899-1979) talvez tenha sido o pintor brasileiro mais comprometido com o operariado brasileiro, a ponto de ser chamado “o pintor dos operários“.

Trabalho_Acidentedetrabalho_Sigaud

“Acidente de trabalho”, de Sigaud. 1944, eucástica sobre tela, 131 x 95 cm.

Em sua obra emblemática “Acidente de Trabalho“, Sigaud traz à cena o povo anônimo, sem rosto, grande parte sem luz. A claridade se faz presente no acidente. É neste momento que o trabalhador vira foco, no momento da desgraça, do corte da vida.

Impossível escrever um post sobre o Dia do Trabalho e não constar a letra da música Construção“, de Chico Buarque, lançada em 1971, em álbum homônimo, uma obra-prima da música brasileira. No vídeo, a interpretação é de Ney Matogrosso, gravado no Olympia, em 1996.

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a  última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu  passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar  quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse  sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou  como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E  tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um  pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do  passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou  daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a  única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu  passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar  quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos  embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um  príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou  como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E  tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse  sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do  passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou  daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse  lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como  se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou  no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o  sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão  pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar  existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que  engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos  andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague

Pela mulher  carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e  cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe  pague

Três obras e uma música. Basta isso para sublinhar o Dia do Trabalho. Ou qualquer dia de um trabalhador.

Autor: Catherine Beltrão

Comments(4)

  1. Responder
    Roberto F. Vieira says:

    Catherine Beltrão!
    Sobre a grandeza da arte se respira a eternidade. O saber constante de quem aprendeu o sentido da vida, pois se constrói o outro pelo olhar de quem imagina ser. Daí ter admiração pelo seu trabalho que conheci de perto. Não só conheci como conheço, até porque em algum momento comprei a sua agonia em querer difundir esse magnífico trabalho. Roberto F. Vieira
    “Sur la grandeur de l’art respire l’éternité. Constant savoir de qui il a appris le sens de la vie, parce qu’il construit une autre par le regard de celui qui imagine être. Il ya eu d’admiration pour son travail, je savais près. Non seulement savaient que je sais, parce que à un moment donné acheté son agonie à vouloir étendre ce travail merveilleux.” Roberto F. Vieira

    • Responder
      Catherine Beltrão says:

      “Sobre a grandeza da arte se respira a eternidade.”

      Que frase mais linda, Roberto! Realmente, em minha trajetória de vida, tenho tentado trilhar um caminho coerente com o que aprendi e o que sinto. Não é fácil. A Ciência e a Arte, para mim, não podem andar separadas, são a essência de uma dialética a ser discutida e interpretada através dos tempos.
      Obrigada por este registro seu ao post do dia do trabalhador!

  2. Responder
    Annelise Gripp says:

    Muito bom texto e relação com o trabalhador!
    Lembrei da minha casa, que morei até os 5 anos de idade que tinha vários quadros com gravuras da Tarsila. Eu sempre perguntava para meu pai porque ela pintava no dia a dia, pq eu só pintava com tinta guache coisas que não existiam…rs. Ah! Crianças com suas mentes sonhadoras!
    Parabens pelo texto!

    Bjks

  3. Responder
    Catherine Beltrão says:

    Que bacana, Annelise! Olha só, você tendo contato com trabalhos da Tarsila desde pequena e eu, que só fui conhecer sua obra há bem adulta… a Tarsila é muito, mas muito importante mesmo, para a arte brasileira. Ela rompeu barreiras, abrindo caminhos para muitos outros artistas. São poucos os que fizeram isso, sobretudo por aqui…

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