Nuvens eternas

As únicas coisas eternas são as nuvens“, escreveu um dia Mario Quintana. É interessante, pois elas não parecem eternas. Mudam de forma a todo instante. Também mudam de cor. E produzem sentimentos variados: tristeza, saudade, medo, esperança. À qual eternidade se referia o poeta?

Nuvens_Courbet

“A imensidão”, de Gustave Courbet (1819-1877)

Mario Quintana também escreveu: “Não esquecer que as nuvens estão improvisando sempre, mas a culpa é do vento“. É. O vento deserteniza a forma das nuvens…

Cecília Meireles também eternizou suas nuvens, como no poema “Improviso do Amor-Perfeito“:

Nuvens_Constable

“A baía de Weymouth”, de John Constable (1776-1837)

Naquela nuvem, naquela,
mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.

Os sonhos foram sonhados,
e o padecimento aceito.
E onde estás, Amor-Perfeito ?

Nuvens_Pissaro

“Paisagem com Céu de Tempestade”, de Camile Pissarro (1830-1903)

Imensos jardins da insônia,
de um olhar de despedida
deram flor por toda a vida.

Ai de mim que sobrevivo
sem o coração no peito.
E onde estás, Amor-Perfeito ?

Longe, longe, atrás do oceano
que nos meus olhos se alteia,
entre pálpebras de areia…

Longe, longe… Deus te guarde
sobre o seu lado direito,
como eu te guardava do outro,
noite e dia, Amor-Perfeito.

Nuvens_Guignard

“Paisagem imaginante”, de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962)

Ou ainda, nos versos a seguir:

Nuvens_Renoir

“Barcas no Rio Sena”, de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)

Nuvens_Sisley

“Prado”, de Alfred Sisley (1839-1899)

Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar. Por que
havemos de ser unicamente
humanos, limitados em chorar?
Não encontro caminhos fáceis
de andar. Meu rosto vário
desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.”

“Encostei-me a ti sabendo que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino, frágil,
Fiquei sem poder chorar quando caí.

Nuvens_Dali

“Casal com a cabeça cheia de nuvens”, de Salvador Dali (1904-1989)

No bem conhecido poema “O Auto Retrato“, Mario Quintana volta a se eternizar nuvem …

Nuvens_vanGogh

“Campo de trigo com cipreste”, de Vincent van Gogh (1853-1890)

Nuvens_Malfatti

“O Farol”, de Anita Malfatti (1889-1964)

No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…
e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança…
Terminado por um louco!

É. Talvez a eternidade das nuvens do poeta se refere àquelas que se eternizam através da pintura. Ou da poesia.

 Autor: Catherine Beltrão

Comment(1)

  1. Responder
    Dolores Jardim says:

    Não poderia deixar de visitar mais uma vez, este maravilhoso blogue de arte na sua mais linda data, afinal hoje é Dia de Festa. Através deste site, vamos aprendendo sobre arte em todas as suas facetas. A pintura em todas as suas formas e a literatura reunidas para nos encantar. Internet,deve ser isto, ensinar, mostrar e educar para o melhor. Parabéns Catherine Beltrão. Muito obrigada, por existir. Nenhuma palavra seria suficiente para demonstrar todo encantamento que temos neste blogue.

Comente