Um dia, Portinari falou: “Vim da terra vermelha e do cafezal.”
Na vida de Cândido Portinari (1903-1962), o café se fez presente desde sempre. Em sua obra, o café é um tema recorrente, percorrendo três décadas de pintura, desde os anos 30. O “Lavrador de café“, uma de suas obras mais conhecidas, foi criada em 1934. O trabalhador é negro, a terra é vermelha. Lavrador e terra unidos por pés enormes, como se fossem raízes. Esta obra foi roubada do MASP – Museu de Arte de São Paulo – em 2007, mas recuperada pouco tempo depois.
Em 1935, Portinari conseguiu seu primeiro reconhecimento internacional e conquistou a segunda Menção Honrosa na Exposição Internacional do Carnegie Institute de Pittsburgh, nos Estados Unidos, com a tela “Café“.
O nome Portinari estará eternamente ligado à pintura brasileira. São poucos os que nunca ouviram falar daquele que é considerado, por muitos, o maior pintor brasileiro. Mas também são poucos os que conhecem os escritos de Cândido Portinari. Porque ele também deixou escritos. E Portinari também escreveu sobre café. Como “O menino do povoado” (Saí das águas do mar):
Saí das águas do mar
E nasci no cafezal de
Terra roxa. Passei a infância
No meu povoado arenoso.
Andei de bicicleta e em
Cavalo em pêlo. Tive medos
E sonhei. Viajei no espaço.
Fui à luta primeiro do que o sputnik.
Caminhei além, muito além, para
Lá do paraíso. Desci de pára-quedas,
Atravessei o arco-íris, cheguei
Nos olhos-d’água antes do sol nascer.
Nasci e montei na garupa
De muitos cavaleiros. Depois
Montei sozinho em cavalo de
Pé de milho. Fiz as mais
Estranhas viagens e corri
Na frente da chuva durante
Muitos sábados. Dava poeira
No trenzinho de Guaivira.
Paco espanhol era meu parceiro.
Vivíamos apavorados com os
Temporais — pareciam odiar
Aqueles lugares…
Vinham ferozes contra as
Sete ou oito cabanas
Desarmadas.
Num pé de café nasci.
O trenzinho passava
Por entre a plantação. Deu a hora
Exata. Nesse tempo os velhos
Imigrantes impressionavam os recém-chegados.
O tema do falatório era o lobisomem.
A lua e o sol passavam longe.
Mais tarde mudamos para a Rua de Cima.
O sol e a lua moravam atrás de nossa
Casa. Quantas vezes vi o sol parado.
Éramos os primeiros a receber sua luz e calor.
Em muitas ocasiões ouvi a lua cantar.
Esmerava-se para aparecer nitidamente
Redonda. Ficava espiando do nosso maracujazeiro.
Surpreendido vendo São Jorge à paisana,
Pensei pedir-lhe o cavalo emprestado.
Não me animei. A lua estava de vestido de
Noiva. Os sinos começaram a badalar.
As gentes acudiam, era a missa do galo.
Os dos sítios do Adão e dos olhos-d’água
Lá estavam desde cedo.
As estrelas baixaram iluminando o lado
De fora da igreja, onde se aglomeravam
As gentes, os cães e os animais de montaria.
O Dragão veio se chegando de chinelos…
Em 1964 foi publicado o livro Poemas, de Cândido Portinari. Do Candinho. Não um personagem de novela. O Candinho que existiu de verdade. Aquele mesmo que pintou “Guerra e Paz“. Aquele do “Lavrador de Café“.
Em complementação a este post, vale a pena acessar o vídeo: Imaginário Portinari (Vídeo da TVescola sobre a vida e a obra de Cândido Portinari em sua cidade natal Brodowski. Duração: 22:02).
Autor: Catherine Beltrão
Comments(4)
Carla Mariah says:
14 de abril de 2016 at 02:33Do descobrimento aos dias atuais a magia do café faz a sua caminhada permeando nos laços históricos do Brasil. Quem nunca, entre um gole e outro, no fechar dos olhos, sonhou com a sua origem? Quem nunca, no delírio do sabor, não se pegou no meio de um cafezal?
Saber saborear pode ser um ato nobre de imaginar a história do nosso povo!
Belíssimas imagens.
Catherine Beltrão says:
14 de abril de 2016 at 02:54Que coisa mais linda, Carla Mariah! Fico imensamente feliz quando consigo atingir o canto mais encantado de alguém como você, que transborda entusiasmo e sensibilidade… amei suas palavras!
Rosa Constantina Guimaraes Pereira says:
5 de agosto de 2018 at 14:01Que bom que a internet nos trouxe essa possibilidade, contemplar tão belas obras e saber desse grande artista é muito inesperado para mim. agradeço e admiro. Vou ler e estimular outros a lerem. obrigada
Rosa Constantina Guimaraes Pereira says:
5 de agosto de 2018 at 14:15Hoje ( 2018), meu genro produz e vende aqui em Rio Pardo o” Café Euclidiano”, que posso saborear todas as manhãs. Esse nome é tradicional , porque Euclides da Cunha , grande autor , escreveu aqui em nossas terras : “Os Sertões”, enquanto como engenheiro que era, construía a ponte sobre o Rio Pardo, até hoje conservada.Nossa região também é uma região cafeeira.