O Projeto Portinari e a Inteligência Artificial

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Home do site do Projeto Portinari

Em 1979 nascia o Projeto Portinari. Dezessete anos depois da morte do pintor. O filho de Portinari, João Cândido, é o mentor do Projeto. São 36 anos dedicados ao resgate da obra e da trajetória de vida do pai, o maior pintor brasileiro. Nas palavras de Antônio Callado (Isto É, 14/4/82): “… Pessoalmente ainda não vi, no Brasil, um trabalho tão minucioso e tão inteligente para manter viva a memória de um artista… um projeto que constitui um marco histórico: é assim que um país se firma nas suas raízes culturais...”.

Conheci João Cândido no campus verdejante da PUC-RJ, no final dos anos 60. Eu, cursando Engenharia Elétrica e ele dirigindo o Departamento de Matemática. Anos mais tarde, fazendo o mestrado de Informática, também na mesma PUC de tantos verdes, já ouvia falar neste trabalho, que viria a se tornar o maior e mais frutífero projeto que uniu Arte e Tecnologia no Brasil.

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“Baile na Roça”.1924, ost, 97 X 134cm. Primeira obra pintada por Portinari no Brasil, esteve perdida até 1986, quando foi reencontrada pelo Projeto.

Através destes 36 anos, o Projeto Portinari foi se expandindo, juntamente com a evolução da Tecnologia. Inicialmente voltado para o resgate sistemático, minucioso e abrangente da vida e da obra de Candido Portinari, bem como da época em que viveu, o Projeto também enveredou pelo caminho de identificação de obras falsas.

Os métodos tradicionais de verificação de autenticidade são o olho do perito e as técnicas fisico-químicas – análise científica em laboratório (com o estudo dos pigmentos e do suporte). No entanto, ambos os métodos têm falhado ao longo da história. Para citar apenas um exemplo, dos mais conhecidos, o do Catálogo da Obra completa de Van Gogh, realizado pelo maior especialista do genial pintor holandês, o famoso historiador de arte La Faille, que incluiu 30 obras falsas, posteriormente identificadas pelo próprio La Faille como falsas.

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Vídeo sobre o Projeto Pincelada. 2009 (?)

Para que a pesquisa de autoria possa dispor do mais eficiente e fidedigno arsenal instrumental possível, o Projeto Portinari, junto com os departamentos de Matemática, Física, Informática, Engenharia Elétrica e Ciência dos Materiais da PUC-Rio, e com o patrocínio da Petrobrás, criou o Projeto Pincelada. Ele tem por objetivo aplicar novas tecnologias, como recentes desenvolvimentos nas áreas de inteligência artificial, classificação automática de objetos e de reconhecimento de padrões, para determinar a autenticidade de pinturas.

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“Fetiche”, de Portinari. 1959, óleo sobre cartão, 26,5 X 17,5cm. Obra desaparecida. Foi roubada em maio de 2013 da casa de um colecionador e substituída por uma falsificação.

O Projeto Pincelada, como o próprio nome diz, estuda a pincelada do artista. Segundo João Candido Portinari, a pincelada é mais do que a caligrafia do artista, ela também traduz a forma específica — e inconfundível — de um artista de misturar a tinta na palheta, podendo ser comparada à impressão digital.

Esta idéia original, de autoria dos professores João Candido Portinari e George Svetlichny, da PUC-Rio, foi apresentada ao público científico, pela primeira vez, em 1993, na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, pelo próprio João Candido Portinari.

De acordo com as técnicas desenvolvidas pelo professor do departamento de Informática da PUC-Rio, Ruy Luiz Milidiú, e sua equipe, a imagem é dividida em pequenos retângulos (de 4mm por 4mm). Esses pequenos retângulos devem pegar o movimento de uma pincelada para que possamos estudá-la individualmente. Segundo ele, os testes estão sendo mais difíceis porque a tela está dividida, quando na realidade, um quadro inteiro será analisado com mais facilidade.

Na primeira etapa do trabalho, são realizadas macrofotografias de várias pinceladas de diferentes quadros de Portinari e de Enrico Bianco (pintor, discípulo e mais importante e fiel colaborador de Portinari), que depois são digitalizadas. Utilizando o trabalho de dois artistas é possível controlar a precisão do método utilizado. Se o programa não confundir os artistas poderá ser utilizado, explica Ruy Milidiú. Ele explica que em uma segunda etapa também serão fotografadas obras de falsificadores de Portinari. Com o Projeto Pincelada, os pesquisadores do Projeto Portinari esperam contribuir para a preservação da herança mundial da arte, atacando um velho e difícil problema com o poderoso instrumental das novas tecnologias.

Portinari é, seguramente, o pintor brasileiro cujas obras são mais falsificadas. Quanto mais é valorizada a obra, mais falsificada é. A utilização da Inteligência Artificial para identificar obras falsas exemplifica, mais uma vez, como a Arte tem a ganhar ao se aproximar da Ciência e da Tecnologia. Ou será que é a Ciência & Tecnologia que ganha ao se aproximar da Arte?

Fonte: Estudos avançados- ISSN 0103-4014

  Autor: Catherine Beltrão

Comments(3)

  1. Responder
    Fernanda Guimarães says:

    Imaginar que a ciência será capaz de desenvolver uma tecnologia que dê credibilidade ao reconhecimento do padrão de expressão de um artista parece audacioso.
    Muito bom ver pessoas envolvidas em valorizar o trabalho e a vida destes que dedicaram sua vida e seu talento para trazer cor e forma aos sentimentos.

    • Responder
      Maria Maia says:

      O Projeto Portinari é o maior projeto de artes plásticas do Brasil. É lindo ver como João Cândido conseguiu montar o quebra-cabeça da obra do pai! Ganha o Brasil que pode conhecer melhor a obra de Portinari!

      • Responder
        Catherine Beltrão says:

        Com toda certeza, Fernanda e Maria! Como disse no post, considero o Projeto Portinari o maior e mais frutífero projeto que uniu Arte e Tecnologia no Brasil. E também me acho privilegiada em ter visto nascer e crescer este fantástico trabalho, mesmo que de longe, imaginando a alegria de Cândido Portinari ao ver, de onde ele estiver, a abrangência que sua Arte alcançou. Palmas para todos os que já participaram e continuam participando do Projeto Portinari!

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