Euclides da Cunha escreveu uma das frases ícones da literatura brasileira: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”
A obra literária “Os Sertões“, de Euclides da Cunha, é considerada uma das três grandes epopeias da língua portuguesa, podendo ser comparada à “Ilíada“, assim como “Os Lusíadas” podem ser comparados à “Eneida” e “Grande Sertão: Veredas”, à “Odisseia“.
Mas, infelizmente, não são muitos os que conhecem Euclides da Cunha (1866-1909), um dos maiores nomes da literatura brasileira. Nascido na cidade de Cantagalo, no Rio de Janeiro, ele foi um escritor, poeta, sociólogo, repórter jornalístico, historiador, geógrafo e engenheiro. Sua morte trágica, em que foi assassinado pelo amante da sua esposa Anna de Assis, é conhecida como a “Tragédia da Piedade“. Até hoje o episódio permanece em discussão.
Como correspondente de guerra do jornal O Estado de São Paulo em Canudos/Bahia, Euclides reuniu material que serviriam para elaborar, durante cinco anos, “Os Sertões: campanha de Canudos“, publicado em 1902.
Abaixo, trecho da segunda parte de “Os Sertões“: O Homem
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. (…)
É o homem permanentemente fatigado.”
A poesia sempre acompanhou Euclides da Cunha em toda a sua trajetória de vida conturbada. Abaixo, o soneto que escreveu em 1890, para Saninha, (Anna de Assis), sua mulher:
“Ontem, quando, soberba, escarneciasDessa minha paixão, louca, suprema,
E no teu lábio, essa rosa da algema,
A minha vida, gélida prendias…Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema…
_ Como engastar tua alma num poema?
E eu não chorava quando tu te rias…
Hoje, que vives desse amor ansioso
E és minha, só minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste, sendo tão ditoso!
E tremo e choro, pressentindo, forte
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida, que é a morte…”
Escrevi este post após ter ficado inebriada com uma mesa-redonda que assisti na FLINF – Festa Literária de Nova Friburgo, no último domingo dia 16.10, intitulada “Euclides da Cunha, o poeta dos sertões“. Três mulheres espetaculares – Janaína Botelho, Anabelle Loivos e Jane Ayrão – traçando os contornos e não contornos deste gigante de nossa literatura!
“Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos.”
Autor: Catherine Beltrão
Comments(7)
Cine says:
31 de outubro de 2017 at 12:45Anna não pode…Traduzir-se
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.Uma parte de mimé multidão:
outra parte estranheza
e solidão.Uma parte de mim pensa, pondera:outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta:outra parte
se espanta.Uma parte de mim é permanente:outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem:na outra parte….linguagem
– que é uma questão de vida ou morte -será arte? sera arte sera arte
Cine says:
31 de outubro de 2017 at 12:47nós o povo ficamos sem a epopeia e maturidade do escritor Euclydes da Cunha
Cine says:
31 de outubro de 2017 at 12:48Depois de Traduzir-se de Ferreira Gulart- So Florbella Spanca com Fanatismos, ambos lindamente cantados por Fagner
Minh’ alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és sequer a razão do meu viver
pois que tu és já toda minha vida
Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história, tantas vezes lida!
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
De uma boca divina, fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,(x2)
Que tu és como um deus: princípio e fim!…(x2)
Cine says:
31 de outubro de 2017 at 13:01ANNA uma heroína, se seguisse outros caminhos, Dilermando um compulsivo infantil se seguisse outros espaços Euclydes um escritor obstinado se seguisse outros ares, teríamos outros resultados, mas temos que admitir que Euclides era, complexo,Dilermando , com interditos não realizados, a família de Anna ,distante…emfim uma tragédia completa, que os gregos diziam ser a DESMEDIDA, só permitida aos Deuses do Olimpo,onde a lei dos homens e da sociedade não fazia sentido , nem existia
Denilson NAZARETH ANDRADE says:
20 de maio de 2018 at 17:58Importante a Cultura HISTÓRICA, afirma-se Na maior de todas a Ciências, a História, transfere, ininterruptamente, ao Sapiens Conhecimento. Denilson NAZARETH ANDRADE
20/05/2018.
Ricardo Vieira Gonçalves says:
6 de novembro de 2018 at 01:49LIndo texto ! Mas quais são as outras duas obras consideradas as maiores epopeias de língua Portuguesa junto com esta ?
Antonio says:
6 de janeiro de 2020 at 14:39De fato. É realmente forte. Toma sol 12 horas por dia e não usa protetor solar. E não bebe 2 litros de H2O ao dia.