Os sons do silêncio e as cores da escuridão

O que acontece na cabeça e no coração de um compositor surdo e de um pintor cego quando criam uma obra? Esta questão sempre me intrigou.

Como Beethoven pode compor a maioria de suas obras colossais, estando desprovido quase totalmente da audição? Das sonatas às sinfonias, passando pelos  trios, quartetos e concertos, tudo em Beethoven é grandioso, é eloquente.

Beethoven

Beethoven

Ludwig van Beethoven (1770-1827), compositor alemão, é considerado um dos pilares da música ocidental e permanece até hoje como um dos compositores mais respeitados e mais influentes de todos os tempos.

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Claudio Arrau tocando a sonata “Appassionata”, de Beethoven. Duração: 26:09

O diagnóstico de início da surdez veio aos 26 anos de idade, em 1796. Consultou vários médicos, inclusive o médico da corte de Viena. Fez curativos, usou cornetas acústicas, realizou balneoterapia, mudou de ares, mas nada adiantou. Desesperado, entrou em profunda crise depressiva e pensou em suicidar-se. Aos 46 anos de idade (1816), estava praticamente surdo.

A Sonata n•23, em fá menor, opus 57, mais conhecida como “Appassionata” foi composta entre 1804 e 1806, quando Beethoven já se encontrava em estado adiantado de surdez. Como ele conseguia ouvir sua criação? Para se deleitar com a íntegra desta obra fabulosa, tocada pelo não menos fabuloso pianista Cláudio Arrau, clique aqui.

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Orquestra Filarmônica de Viena interpretando a Sinfonia No 9 in ré menor Op 125, de Beethoven. Duração: 1:20:09

E para quem quiser ouvir uma das mais conhecidas obras do repertório ocidental, considerada tanto ícone quanto predecessora da música romântica, clique aqui para ter acesso à Nona Sinfonia, em ré menor, opus 125 – a “Coral” – composta entre 1818 e 1824. No vídeo, a obra é interpretada pela Orquestra Filarmônica de Viena, regida pelo maestro Christian Thielemann. E dizer que esta obra transcendental foi composta quando Beethoven já se encontrava praticamente surdo…

Mas este post fala de sons produzidos no silêncio e de cores na escuridão. Como um pintor desprovido de visão consegue pintar?

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John Brambitt. Autorretrato.

As cores criadas na escuridão são de John Bramblitt. Nascido em 1971, Bramblitt é um pintor cego de origem americana. Ele começou a perder a visão aos onze anos e há treze anos, ficou completamente cego, após uma série de crises graves de epilepsia. A depressão também bateu à porta mas Bramblitt descobriu-se artista e começou a desenvolver uma técnica especial para pintar.

São suas as palavras: “Basically what I do is replace everything that the eyes would do for a sighted artist with the sense of touch,”  ele escreveu em seus site. (“Basicamente o que eu faço é substituir através do tato tudo o que os olhos fazem pelo artista que enxerga“).

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Vídeo que mostra como John Bramblitt cria suas obras. Duração: 4:57

Ele também tem uma solução interessante para as cores. “All of the bottles and paint tubes in my studio are Brailled, and when mixing colors I use recipes. In other words I will measure out different portions of each color that I need to produce the right hue. This is no different than using a recipe to bake a cake.“ Ou seja, os recipientes que ele usa são escritos em Braïlle e quando mistura as tintas, ele usa receitas. Assim, ele mede as porções diferentes de cada cor para produzir os tons que vai utilizar.

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Vídeo apresentando obras multicoloridas de John Bramblitt. Duração: 1:04

Ser artista é transcender. Sua necessidade de expressar, de transmitir, de doar seus pedaços não se limita aos meios que os não artistas dispõem, que são tão somente os cinco sentidos. Muito além da visão e da audição, os artistas trafegam seus sentimentos e suas almas por outras vias, só conhecidas por eles, os artistas.

Autor: Catherine Beltrão

 

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