Pérolas e lágrimas

Resolvi juntar lágrimas a pérolas em pinturas e poesias por acreditar que secreções também podem ser sublimes.

O ser sublime fica por conta de Klimt, van der Weiden, Veermer, Rembrandt, Dali, Picasso, Portinari e Mary Cassat. E também de Victor Hugo, Mario Quintana, Cecília Meireles, Drummond, Florbela Espanca, Jean-Paul Sartre, Vinicius de Moraes e Manoel de Barros.

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“Mulher chorando”, de Gustav Klimt

O homem é forte pela razão; a mulher invencível pela lágrima. A razão convence; a lágrima comove.
Victor Hugo

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“Descida da cruz” (detalhe), de Rogier van der Weyden. 1435

Chorar é lindo, por Mario Quintana

Chorar é lindo, pois cada lágrima na face
 são palavras ditas de um sentimento calado.

Pessoas que mais amamos, são as que mais magoamos
 porque queremos que sejam perfeitas,
 e esquecemos que são apenas seres humanos.

Nunca diga que esqueceu alguma pessoa, ou um amor.
 Diga apenas que consegue falar neles sem chorar,
 porque qualquer amor por mais simples que seja,
 será sempre inesquecível…

 As lágrimas não doem…
 O que dói são os motivos que as fazem caírem!
 Não deixe de acreditar no amor,
 mas certifique-se de estar entregando seu coração
 para alguém que dê valor

aos mesmos sentimentos que você dá,
 manifeste suas ideias e planos,
 para saber se vocês combinam,
 e certifique-se de que quando estão juntos
 aquele abraço vale mais que qualquer palavra…

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“Moça com brinco de pérola”, de Jan Vermeer. 1665

Pérolas – Cecília Meireles

O mercador dizia-me que as perolas deste colar
levaram dez anos a ser reunidas.
Pequenas perolas
 – de que mares?
 – de que conchas?
 – menores que lágrimas, apenas maiores que grãos
de areia, transpiração das flores.
Talvez o mercador mentisse. Mas a própria mentira
não perturbava a beleza das perolas.
E eu via dez anos, de mar em mar, em muitas mãos,
escuras e magras, sob longos olhares pacientes,
aquele pequeno orvalho medido, perfurado, enfiado
para uma criatura de muito longe, desconhecida
e inesperada, que um dia tinha de recebê-las aqui.

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“Retrato de Maria Trip” (detalhe), de Rembrandt

 

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“Labios de rubi”, de Salvador Dali

As pérolas –  Carlos Drummond de Andrade

Dentro do pacote de açúcar, Renata encontrou uma pérola. A pérola era evidentemente para Renata, que sempre desejou possuir um colar de pérolas, mas sua profissão de doceira não dava para isto. Agora vou esperar que cheguem as outras pérolas – disse Renata, confiante. E ativou a fabricação de doces, para esvaziar mais pacotes de açúcar. Os clientes queixavam-se de que os doces de Renata estavam demasiado doces, e muitos devolviam as encomendas. Por que não aparecia outra pérola?  Renata deixou de ser doceira qualificada, e ultimamente só fazia arroz-doce. Envelheceu. A menina que provou o arroz-doce, aquele dia, quase ia quebrando um dente, ao mastigar um pedaço encaroçado. O caroço era uma pérola.  A mãe não quis devolvê-la a Renata, e disse: “Quem sabe se não aparecerão outras, e eu farei com elas um colar de pérolas? Vou encomendar arroz-doce toda semana”.

Minha primeira lágrima caiu de dentro dos teus olhos.
 Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído.
Cecília Meireles

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“O olho do tempo”, de Salvador Dali

Lágrimas Ocultas – Florbela Espanca

Se me ponho a cismar em outras eras
 Em que ri e cantei, em que era querida,
 Parece-me que foi outras esferas,
 Parece-me que foi numa outra vida…

E a minha triste boca dolorida
 Que dantes tinha o rir das primaveras,
 Esbate as linhas graves e severas
 E cai num abandono de esquecida!

 E fico, pensativa, olhando o vago…
 Toma a brandura plácida dum lago
 O meu rosto de monja de marfim…

E as lágrimas que choro, branca e calma,
 Ninguém as vê brotar dentro da alma!
 Ninguém as vê cair dentro de mim!

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“Mulher chorando”, de Pablo Picasso. 1937

Lágrimas de um adulto eram como uma catástrofe mística, qualquer coisa como o choro de Deus acerca da maldade do homem.
Jean-Paul Sartre

 

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“Menino morto”, de Cândido Portinari

Poética (II) – Vinícius de Moraes

 Com as lágrimas do tempo
 e a cal do meu dia
 eu fiz o cimento
 da minha poesia

e na perspectiva
 da vida futura
 ergui em carne viva
 sua arquitetura

 não sei bem se é casa
 se é torre ou se é templo
 (um templo sem Deus)

mas é grande e clara
 pertence a seu tempo
– entrai, irmãos meus!

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“Opera Woman with a pearl necklace”, de Mary Cassat

Acontecimento – Vinicius de Moraes

Haverá na face de todos um profundo assombro
E na face de alguns, risos sutis cheios de reserva
Muitos se reunirão em lugares desertos
E falarão em voz baixa em novos possíveis milagres
Como se o milagre tivesse realmente se realizado
Muitos sentirão alegria
Porque deles é o primeiro milagre
Muitos sentirão inveja
E darão o óbolo do fariseu com ares humildes
Muitos não compreenderão
Porque suas inteligências vão somente até os processos
E já existem nos processos tantas dificuldades…
Alguns verão e julgarão com a alma
Outros verão e julgarão com a alma que eles não têm
Ouvirão apenas dizer…
Será belo e será ridículo
Haverá quem mude como os ventos
E haverá quem permaneça na pureza dos rochedos.
No meio de todos eu ouvirei calado e atento, comovido e risonho
Escutando verdades e mentiras
Mas não dizendo nada.
Só a alegria de alguns compreenderem bastará
Porque tudo aconteceu para que eles compreendessem
Que as águas mais turvas contêm às vezes as pérolas mais belas.

E, para finalizar, uma frase definitiva de Manoel de Barros: “Escrever é cheio de casca e de pérola”.

Autor: Catherine Beltrão

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