Para os que a conheceram nos meados do século passado, a praia de Ipanema mudou demais. Demais mesmo. Já quase não cabe nas lembranças de quem, como eu, frequentava suas areias limpas, suas águas espumantes, seu espaço para a tranquilidade…
Havia dunas. Muitas dunas. Abraçando as dunas, um cobertor verde de vegetação rasteira salpicada com flores lilás. O verde contrastava com o bege claro da areia. Era areia que não acabava mais! E as conchas, então? Eram centenas, milhares, que as crianças apanhavam na areia, formando suas coleções caseiras e disputando as mais bonitas. Essas, eram conquistadas por mergulhos mais ousados à beira-mar, atrás dos mais belos exemplares. E quando se conseguia uma estrela do mar, era a glória! Guardo, até hoje, minha coleção de conchas e estrelas ipanemenses, testemunhas de um tempo de paz, alegria e despretensão.
Mais volumosos e rígidos, os morros e pedras presentes de hoje já ostentavam a mesma beleza, a mesma pujança. Os Dois Irmãos, sempre juntos – pelo menos na perspectiva da praia – imperavam na paisagem; a Pedra da Gávea já espreitava atrás, para ver se tudo continuava em ordem: o ritmo das marés, o ritmo das idas e vindas dos banhistas, o ritmo dos nasceres e pores do sol. Tudo era como tinha que ser. Mesmo o por do sol visto da Pedra do Arpoador, divino, era o mesmo que se vê hoje. Mas os aplausos para a celebração vinham da alma, do coração. O silêncio da luz se despedindo na tarde finda se harmonizava mais com o vai e vem do som das ondas…
Nos idos anos 50, não existiam arrastões. Não como os de hoje. Naqueles tempos, os arrastões poderiam ser de estrelas, percorrendo os céus e os mares, em busca dos olhares e pensamentos enamorados dos amantes noturnos…
Era essa a Ipanema de Edith Blin (1891-1983). Era essa a Ipanema da minha infância.
Autor: Catherine Beltrão
Comments(3)
Imma says:
2 de fevereiro de 2015 at 12:51Que sonho foi esse ?? Que volta ao tempo que nos inunda de saudade de uma praia tão poética e tão destruída pelos homens .
Que água na boça que nos dá dessa água !!
Que primor de relato desse encantador recanto que tb conheci !
A tinta da tela nos revela isso !!
Catherine Beltrão says:
3 de fevereiro de 2015 at 01:39Olha Imma, um dos objetivos pelos quais eu escrevo estes textos é tentar compartilhar lembranças e momentos em que coisas importantes foram acontecendo em minha vida, a ponto de deixarem marcas indeléveis em minha alma. As vezes eu consigo, como agora, com você. A praia de Ipanema fez parte de um tempo áureo – minha infância – que foi base para uma adolescência, os anos 60, que chamo de meus “anos dourados”. E ninguém tem anos dourados à toa…
Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz says:
1 de fevereiro de 2017 at 19:13Eis aí o registro de como o Rio já foi maravilhoso em seu passado. Em breve, já não teremos mais depoimentos de pessoas vivas sobre uma época em que pessoas ainda podiam andar seguras na cidade desfrutando de um ambiente natural menos degradado. Para alguns esse poderá ser um mundo que nunca existiu.