Presépios de Chico Joy: um elo perdido na tradição natalina

Continuo imbuída da temática natalina. A bola da vez é o presépio.

Pesquisando na Internet (sempre ela!), descobre-se que foi São Francisco de Assis (sempre ele!) que montou o primeiro presépio, no Natal de 1223.  Era feito de argila, foi montado na floresta de Greccio – comuna italiana da região do Lácio – e a ideia era montar o presépio para explicar às pessoas mais simples o significado e como foi o nascimento de Jesus Cristo.

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O primeiro presépio que fotografei do Chico Joy, em 2009

A partir do século XVIII, a tradição de montar o presépio dentro das casas das família se popularizou pela Europa e, logo em seguida, por outras regiões do mundo. Hoje encontramos presépios feitos de madeira, gesso, metal, papel, palha, vidro, plantas, ou qualquer material que exista ou que ainda possa ser inventado. O importante é manter a tradição.

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Presépio básico de Chico Joy

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Este é o presépio do Chico que está com meu filho e com minha nora.

Pois é. Mas a corrente da tradição, por vezes, perde algum elo. E foi o que aconteceu com os presépios de Chico Joy, artistartesão de Friburgo. Em janeiro de 2011, Friburgo sofreu o maior desastre climático da história do Brasil. Enchentes devoraram a cidade e centenas de seus habitantes perderam casas e vidas. As águas levaram o lixo das ruas e os tesouros dos artistas. Tesouros como os presépios natalinos de Chico Joy.

A maior poesia dos presépios de Chico está na ambientação. Ele não se limita aos personagens – Maria, José, menino Jesus na manjedoura, os três reis magos, os animais. Ele os insere em paisagens nordestinas, bem no meio do cangaço. Ou em uma clareira florida dentro da selva, numa família de índios.  Ou ainda em terras e gentes africanas. Com isso, ele quer mostrar, através de seus presépios, a universalidade do sentimento fraterno, a abrangência da esperança em qualquer povo existente do planeta, a qualquer tempo.

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O meu presépio tradicional de Chico Joy

Eu me lembro, pouco antes da tragédia, de ter visto no atelier do Chico, vários destes tesouros natalinos: o presépio dos cangaceiros, o presépio de uma família de índios, o presépio africano, e mais uma dezena de outros, além de presépios tradicionais. Fiquei com quatro deles: um foi pra minha mãe, na França;  outro foi pra minha filha; o terceiro, presenteei minha nora e, por último, eu mesma me dei de presente (tinha que ter um presépio do Chico, ora pois…). Não sei não, mas parece que estes quatro presépios foram os únicos que não desapareceram na enchente.

Nem as fotos sobreviveram. Segundo Chico, tudo foi engolido pelas águas do verão de 2011.

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Presépio em uma clareira florida na selva, por Chico Joy. Este faz parte do Natal de minha filha.

Ou será que não? Alguém terá ainda em casa um destes presépios? Ou, pelos menos, uma foto?

Autor: Catherine Beltrão

Comments(4)

  1. Responder
    Chico Joy says:

    Que lindo esse post.
    Agradecer é pouco, perto do que você sempre representou no meu trabalho. A cliente que transformou-se em seguidora do meu trabalho, acompanhando a evolução que ele sofreu ao longo dos anos. Quisera eu estar modelando com a noção de anatomia que tenho hoje na época em que conheci.
    Mas a evolução faz parte da humanidade e você como conhecedora da Arqueologia sabe bem disso.
    Depois a seguidora virou uma grande amiga e grande colaboradora do meu atelier.
    Os presépios sempre me fascinaram. Quando comecei a produzi-los via que sentia confortavelmente abençoado, e embora eu não siga nenhuma corrente religiosa, é uma forma de conversar com Deus. E quantas conversas tivemos, e quantos presépios nasceram.
    Saber que quatro exemplares estão sob sua tutela e de sua cuidadosa família, me deixa seguro.
    Gostaria muito de ter feito pelo menos um modelo nesse ano de 2014. Infelizmente me faltou tempo, e felizmente esse tempo foi gasto com outros trabalhos, outros projetos, enfim…
    Em 2015 quem sabe? Modelos maiores, mais elaborados, ou os mesmos singelos de antes, mas com a energia renovada, e a certeza que mesmo as adversidades da vida, não podemos deixar de conversar com Deus.
    Agradeço imensamente mais uma vez!
    Forte abraço!!
    Chico Joy

  2. Responder
    Catherine Beltrão says:

    Chico, que comentário mais “massa”! A felicidade da gente ganha até um upgrade com um texto desses, pode crer…

    Tenho seguido seu trabalho, e me encantado inúmeras vezes. Todos nós evoluímos em nossa trajetória cotidiana, como diz, e eu não sou exceção. Sua evolução como artista está diretamente ligada a minha evolução como apreciadora de arte. Tenho passado por várias de suas fases e me sinto privilegiada por isso. São poucas as pessoas que podem se dar a este luxo, ou seja, degustando as delícias criadas e preparadas por um artista, no decorrer de suas descobertas e de seu aprimoramento, tanto técnico como pessoal.

    Suas “conversas com Deus” resultam em trabalhos primorosos. Quem dera se mais gente pudesse conversar com Deus deste jeito… quem dera se “todos fossem iguais a você”, como já disse um dia, nosso amado e eterno Vinicius de Moraes.

  3. Responder
    Beth Joy says:

    Catherine, posso lhe dizer com franqueza: não é por ser meu filho, mas eu acompanho de perto essa evolução, essa dedicação de Chico Joy que vc menciona em seu texto, a fim de melhorar mais e mais a cada dia! E fico imensamente feliz e emocionada quando vejo alguém como vc – que realmente valoriza e reconhece o amor que ele tem pelo trabalho dele, pela arte! Um dia, ainda bem jovem, ele me disse que ia fazer da arte a vida dele, o sustento dele e o prazer de trabalhar com aquilo que mais ama! E hoje, 12 anos após, vejo o quanto ele estava falando sério! Olhando esses presépios eu me lembro do começo de tudo, das coisas tristes que passamos em 2011 – inclusive a perda de um presépio enorme que ele havia feito para o SESC, e que ficou apenas uma semana exposto, e logo veio a tragédia! Mas não vamos lembrar de coisas tristes,! Se Deus quiser (e Ele quer) ele irá produzir ainda muitos presépios, cada vez mais lindos e elaborados para nos encantar! Sim, pq ele produz cada peça com cuidado, esmero e muito, muito carinho! Posso falar isso pq sou testemunha, a cada dia! Tenho orgulho de ser mãe de Chico Joy… e de trabalhar com ele tbm! E só posso lhe dizer de coração: obrigada, Catherine Beltrão!

  4. Responder
    Catherine Beltrão says:

    Beth, lendo o seu relato acima, tenho certeza de uma coisa: você é abençoada! Primeiro, por ter um filho que trabalha com Arte. Segundo, por trabalhar com ele. E tenho outra certeza: você deve merecer estes dois presentes de Deus!

    Quanto aos presépios, depois que o Chico me falou das perdas sofridas com as enchentes do verão 2011, meu objetivo em ter escrito o post é tentar reunir dados sobre estes trabalhos primorosos que ele fez com este tema. E os resultados já estão aparecendo! Duas pessoas já se manifestaram: o Matheus, que possui o presépio do qual tirei a foto em 2009, e o Eduardo, meu genro, que tirou há anos fotos magníficas do presépio no cangaço, trabalho com que presenteei minha mãe (falecida este ano), e que está em Cannes, na França.

    Mas muita coisa ainda deve acontecer, a partir deste post, você vai ver…

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