Retratos do Apocalipse: uma doação de peso

Desde 2002, o Museu ArtenaRede tem recebido doações de obras de artistas para a construção de seu acervo. Cada doação tem uma história particular. Algumas são fantásticas.

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Théta C. Miguez

Retratos do Apocalipse” é uma série de 27 obras da artista Théta C. Miguez – Maria Teresa Carletti Miguez -,  doadas ao Museu ArtenaRede no período de julho de 2004 a janeiro de 2005.  Nascida em 1949, em Igarapava/SP e falecida em 2005, Théta apresentou suas obras em diversos países, como Espanha, Argentina, Itália e França, tendo recebido numerosos prêmios e medalhas.  Eclética, além de artista plástica, atuou na Psicologia Clínica, na Literatura, na Música e na Poesia.

Em janeiro de 2003, a artista já havia doado ao Museu a magnífica obra “Eterno campeão“, retratando Ayrton Senna. Sem conhecê-la pessoalmente, aos poucos fomos desenvolvendo uma amizade sólida, baseada em admiração mútua e confiança recíproca. A tal ponto chegou esta confiança que Théta resolveu doar também a série completa “Retratos do Apocalipse“, criada em 2002. Após percorrer um trajeto itinerante em São Paulo – Santos, em 2002 e Itanhaém em 2003, entre outras cidades -, as obras começaram a chegar em julho de 2004. Já bastante doente, Théta me confidenciou que sua arte e sua mensagem teriam continuidade, após sua morte, fazendo parte do Museu ArtenaRede. Uma responsabilidade e tanto para o Museu!

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“Holocausto”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 50 X 70cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

Assim descreveu a série “Retratos do Apocalipse“, sua criadora a artista Théta C. Miguez:

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“A dor da mulher afgã”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 70 X 50cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

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“O choro da menina vietnamita”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 70 X 50cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

A escolha do tema “Retratos do Apocalipse” se dá em face do desejo de retratar a situação das profundas transformações que estão ocorrendo em nosso mundo, em pleno apogeu da era tecnológica e dos expressivos avanços dos meios de comunicação.

Como o apocalipse representa previsões, no que tange o fim da humanidade, expresso através desse projeto, que a mesma não está em vias de acabar, como alude tais previsões místicas, mas que de certa forma, vem falindo nos seus propósitos sociais, humanitários e existenciais.

Guerra se faz com armas, o Bom Combate se faz com a mente. Na condição de artista plástica, continuarei a guerrear através dos pincéis, registrando em minhas obras, palavras e sentimentos, como ponto de partida para a Paz.”

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“Bomba nuclear”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 50 X 70cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

Em janeiro de 2003, Théta C. Miguez concedeu uma entrevista ao site ArtenaRede. Abaixo, sua resposta a uma das perguntas. Para quem quiser ler toda a entrevista, clique aqui.

AR: Quando você pinta, que objetivo você quer atingir?
TCM: Na essência, não  diria objetivo, pois na maioria das vezes, me entrego espontaneamente à pintura, projetando na tela sentimentos e emoções, com a finalidade de lhes dar vida. É  como se  fosse um período gestacional, onde a  gestante fica  ansiosa por ver  a concretização do seu   ato de amor. Quando a pintura está relacionada a um projeto temático, aí o objetivo passa a ser direcionado mais ao tema exigido. É como no caso da minha última exposição individual “Retratos do Apocalipse”, onde liberei nas obras meus sentimentos e emoções perante os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, mas o objetivo do projeto tinha propósitos sociais.

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“Fome”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 70 X 50cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

Em outubro de 2003, o crítico de arte Emmanuel Von Lauestein Massarini escreveu sobre a artista:

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“Velhice”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 70 X 50cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

Théta C. Miguez é uma artista impulsionada por um sentimento de amor para com o mundo. Um sentimento forte e puro, de natureza quase religiosa. Por isso pinta: para falar a si mesma e também aos outros. Gosta de participar com eles do que sente de sua severa, mas feliz, interpretação da vida. E isso da maneira mais clara e direta: através das imagens.

Tudo o que a cerca – a grande árvore, os recantos históricos, a problemática de nossos indígenas – são coisas que possuem uma beleza repleta de fantasia e de mistério, com suas luzes e sombras, e constituem fragmentos do grande e maravilhoso desenho da criação.

Théta C. Miguez encontra tudo de que necessita para se exprimir próximo de sua sensibilidade. Não tem necessidade de procurar longe o que tem perto, do seu lado, a cada momento.

Suas figuras, delineadas pela textura do desenho e da cor, com respiração metafísica, parecem decantadas do peso da realidade para ressurgir numa mensagem de um mundo perdido e poeticamente reencontrado, no aguardo de múltiplas esperanças.

Entretanto, quando a visão se faz etérea, impalpável e transparente, a artista se realiza integralmente na sua dimensão humana e artística, porque pinta os seus sonhos com a universal linguagem da arte, na qual a cor se sintoniza em lírica vibração com a poesia”.

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“Consumo de drogas”, de Théta C. Miguez. 2002, técnica mista, 50 X 70cm. Série “Retratos do Apocalipse”.

Guerra. Fome. Drogas. Prostituição. Velhice marginalizada. Tortura. Alcoolismo. Terrorismo. Violência urbana.  Retratos do Apocalipse. Preto no branco. Branco no preto.  O 11 de setembro de 2001 foi o estopim para Théta criar esta fantástica série. Que há dez anos pertence ao Museu ArtenaRede. Onde você estiver, Théta, muito obrigada!

 Autor: Catherine Beltrão

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