Tiradentes, o alferes e dentista prático Joaquim José da Silva Xavier, foi executado na forca, e em seguida esquartejado, na data macabra de 21 de abril de 1792. Seu crime: sonhar com a liberdade e conspirar pela independência do Brasil.
Tiradentes não só abriu o caminho para a Independência do Brasil. Sua trajetória e seus ideais foram compartilhados por pincéis e versos como os de Cândido Portinari (1903-1962) e Cecília Meireles (1901-1964).
O Painel Tiradentes é uma pintura a têmpera (tinta artesanal) composta por três telas justapostas, apresentando cinco cenas, sendo considerada uma das mais importantes obras de Candido Portinari. Está exposta permanentemente no Salão de Atos Tiradentes, no Memorial da América Latina, projetado por Oscar Niemeyer. Foi comprada pelo Governo do Estado de São Paulo em 1975 e permaneceu no Salão Nobre do Palácio dos Bandeirantes até 1989, quando foi transferida para o Memorial, em sua inauguração.
Nos anos 40, por sugestão de Oscar Niemeyer, Candido Portinari recebeu uma encomenda de um quadro para ocupar uma enorme parede no saguão de entrada do Colégio de Cataguases, em Minas Gerais, que havia sido projetado por Niemeyer. O tema era livre. Após a encomenda, Portinari, um dos principais nomes do Modernismo no país, mergulhou na Inconfidência Mineira. Consultou livros e documentos da época. Entre estes documentos, o monumental “Romanceiro da Inconfidência“, de Cecília Meireles.
O “Romanceiro da Inconfidência” é composto de 85 romances – gênero poético de origem medieval, assim como as narrativas de cordel – e foi publicado em 1953, mas escrito na década de 1940. Cecília, então jornalista, chegou a Ouro Preto, com a finalidade de documentar os eventos de uma Semana Santa. Envolvida pela “voz irreprimível dos fantasmas”, conforme disse, passou a reescrever, de forma poética, os episódios marcantes da Inconfidência Mineira, destacando, evidentemente, o martírio de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, personagem principal da obra.
Além da descrição da vida econômica e política das Minas Gerais, a obra também desce ao cotidiano, às relações entre as pessoas comuns, as autoridades. As ambições, os negócios, o ouro. Abaixo, parte do Romance XXI ou Das Ideias:
A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocafres e gamelas.
Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capitães, governadores,
padres intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta.
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminárias.
Sinos, procissões, promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as ideias.
Amplas casas. Longos muros.
Vida de sombras inquietas.
Pelos cantos da alcovas,
histerias de donzelas.
Lamparinas, oratórios,
bálsamos, pílulas, rezas.
Orgulhosos sobrenomes.
Intrincada parentela.
No batuque das mulatas,
a prosápia degenera:
pelas portas dos fidalgos,
na lã das noites secretas,
meninos recém-nascidos
como mendigos esperam.
Bastardias. Desavenças.
Emboscadas pela treva.
Sesmarias, salteadores.
Emaranhadas invejas.
O clero. A nobreza. O povo.
E as ideias.
O Romanceiro da Inconfidência representa um livro único na história da literatura brasileira. É uma obra liricamente histórica, sobre os autos de devassa da Inconfidência Mineira.
O painel “Tiradentes“, de Cândido Portinari e o “Romanceiro da Inconfidência“, de Cecília Meireles. Duas obras monumentais. Inspiradas pelo sonho de um herói nacional.
Fontes: clique aqui para Cândido Portinari, e aqui, para Cecília Meireles.
Autor: Catherine Beltrão