Autorretratos, os selfies eternos (parte II)

Na parte I deste texto, apresentei autorretratos de da Vinci, Rembrandt, Degas, Renoir, van Gogh, Gauguin, Picasso e Matisse. Nenhuma mulher presente neste primeiro lote. Agora, vamos ao segundo. Duas mulheres fazem parte. Em tempos mais modernos, elas resolveram também se expor.

Autorretrato - Frida

“Autorretrato com colar de espinhos e beija-flor”, de Frida Kahlo. 1940, ost, 61 X 47cm

Autorretrato - Botero

“Autorretrato”, de Botero

Frida Kahlo (1907-1954), artista mexicana, fez mais de 50 autorretratos. São praticamente sua autobiografia, cada um deles correspondendo a uma época de sua vida. Existe a Frida europeia, a Frida ativista política, a Frida dilacerada pela dor, a Frida pós-aborto e massacrada pela ideia de não poder ser mãe, a Frida filha, a Frida mulher. Na obra ao lado, o colar de espinhos poderia representar as raízes e o patriotismo de Frida. O beija-flor morto como pingente do colar e os espinhos machucam o pescoço da artista, representando a sua dor.

O colombiano Fernando Botero (1932) é conhecido por suas figuras rotundas. Mas eis o que diz o pintor: “Não são gordos. Eu não os vejo como gordos. Eu não pinto gordos. Para mim são formas sensuais. Se pintar naturezas mortas ou paisagens também têm estas formas. É o meu estilo.” Verdade. Todas as figuras pintadas por Botero são volumosas: de crianças a cavalos, de Monalisa a Cristo, de guerrilheiros a capitães. Seus autorretratos seguem o mesmo padrão na forma, mas a fantasia é variada: ora ele é toureiro, ora é guerreiro medieval, ora criança na primeira comunhão.

Autorretrato - Lucien Freud

“Reflection”, autorretrato de Lucien Freud. 1985.

O pintor britânico Lucien Freud (1922 – 2011), neto do famoso pai da psicanálise, fez mais de 100 retratos, muitos deles de si mesmo.  Os retratos constituem a parte fundamental de seu trabalho. Através deles, dá a conhecer a verdadeira condição humana. A pintura realista de Freud mostra o corpo como um reflexo da natureza animal do homem e, por isso, mostra também a importância do corpo desnudo. Certa vez, ele disse: “Gostaria que meus retratos fossem, por assim dizer, as pessoas mesmas, não só sua aparência exterior“. A obra ao lado pertence à National Portrait Gallery.

Autorretrato - Bacon

“Autorretrato”, de Francis Bacon. 1969.

O também britânico Francis Bacon (1909 – 1992) só pintou um tema em toda a sua vida: o corpo humano. E se dedicou aos autorretratos depois dos 50 anos. São dele estas palavras: “Em dado momento, quando não pude mais encontrar outros modelos, eu me pintei, mas por falta de coisa melhor e não porque eu achasse que isso fosse em si mais interessante”. E também: “O que eu quero fazer é deformar a coisa e afastá-la da aparência. Mas, nessa deformação, trazê-la de volta a um registro da aparência“. Seus retratos e autorretratos se parecem com carcaças vistas em açougues: a pele rasgada e os músculos brilhando, arroxeados, mostrando rostos desfigurados até a monstruosidade.

Autorretrato - Ismael Nery1

“Autorretrato”, de Ismael Nery. 1930, óleo sobre papel, 62 × 47.5 cm

Autorretrato -Tarsila

“Manteau rouge”, autorretrato de Tarsila do Amaral. 1923.

O brasileiro Ismael Nery (1900-1934) é conhecido como o “pintor maldito” do Modernismo, por jamais ter vendido um quadro. Pintor de poucas obras, também só pintou um tema em sua vida: a figura humana, representada na forma de retratos, autorretratos e nus. Vítima de tuberculose, em seus dois últimos anos de vida, suas figuras tornaram-se mais viscerais e mutiladas. O autorretrato ao lado está localizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

A brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973) foi uma das mais importantes artistas do movimento modernista. Ao contrário de Pablo Picasso, o mais profícuo dos pintores, Tarsila fez pouco mais de 270 obras em sua vida em entre eles, 7 autorretratos. Um deles, mostrado ao lado, tem a seguinte origem: em Paris, Tarsila foi a um jantar em homenagem a Santos Dumont com esta maravilhosa capa vermelha. Além de linda, a artista costumava usar roupas muito elegantes e exóticas, e sua presença era marcante em todos os lugares que frequentava. Depois desse jantar, pintou este  autorretrato.

Autorretrato - Guignard1

“Autorretrato”, de Guignard. 1961, osm, 37 X 45cm

Autorretrato - Ibere

“Autorretrato”, de Iberê Camargo. 1984, osm.

Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), pintor modernista brasileiro, criando as famosas “paisagens imaginantes”, repletas de balões de festas juninas entre morros e montanhas, foi glorificado por  poetas e artistas como Drummond, Cecília Meireles e Portinari que, um dia, escreveu: “Bom e grande Guignard. Pintor do vento e do imperceptível. No campo brincas com os passarinhos. E colhes silêncios da luz sutil. Nos presenteias obras de mestre. Enxergas o que outros não veem.” O trabalho retratista de Guignard ficou conhecido, para além da habilidade técnica, pelo cuidado que dispensou aos fundos de onde as figuras se destacam. Fazia várias pinturas em uma só.

Iberê Camargo (1914-1994), assim como Picasso, produziu uma enorme quantidade de obras. Durante sua vida criou mais de sete mil obras, entre pinturas, desenhos, guaches e gravuras. O artista realizou incontáveis autorretratos. Desta forma, ele buscava o autoconhecimento:  “Como modelo me transmuto em forma. Sou, então, pintura. Ao me retratar, gravo minha imagem no vão desejo de permanecer, de fugir ao tempo que apaga os rastros. O autorretrato é uma introspecção, um olhar sobre si mesmo. É ainda interrogação, cuja resposta é também pergunta. Essa imagem que o pintor colhe na face do espelho, ou na superfície tranquila da água, – penso no Narciso de Caravaggio – revela como ele se vê e como olha o mundo. (…) Não tenho presente quantos autorretratos pintei. Se retratar-se revela narcisismo, todos pintores o são. Na sucessão de minha imagem no tempo, ela se deteriora como tudo que é vivo e flui. Muitas vezes, me interroguei diante do espelho. No passar do tempo, nos transformamos em caricaturas.”

Estes 16 artistas, de da Vinci a Iberê, fizeram autorretratos. Usaram suas mãos, seus cérebros e seus corações para criarem cópias da imagem de si mesmos. Se vivessem nos dias de hoje, não creio que estivessem partilhando selfies em redes sociais. Pois os selfies não são registros criados por mãos, cérebros ou corações de quem quer que seja. São tão somente registros descartáveis de momentos narcisísticos de indivíduos carentes. Não que os tais 16 artistas não fossem carentes. Todo artista é. A diferença é que possuíam genialidade e sensibilidade suficientes para deixarem legados. E que legados!

Autor: Catherine Beltrão

Comment(1)

  1. Responder
    Lucíola Viegas says:

    Incríveis estes artistas!!! Quanta habilidade!!!! Os que eu mais gostei foram o de Da Vinci e o de Tarsila do Amaral.

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