Mosaicos da devoção

Quando a técnica do mosaico é utilizada na decoração de capelas, o resultado pode ultrapassar qualquer limite imaginativo, seja nos trilhos da beleza, seja nos corrimões da fé.

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Interior da Capela do Mosaico Santa Cruz, em São Bento do Sapucaí/SP.
Vídeo.

É o caso das capelas de São Bento do Sapucaí, em São Paulo. Geralmente chamadas de capelinhas de Santa Cruz, foram realizadas em cumprimento de promessas.

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Fachada da Capela do Mosaico de Santa Cruz

Uma dessas construções, centenária, passou a ser chamada Capela do Mosaico, depois de revitalizada em 2008 pelos artistas plásticos Ângelo Milani e Cláudia Vilar que utilizaram vários cacos de diversos materiais, como fragmentos de estátuas de santos abandonados, contas variadas, pedaços de vidro e azulejos, compondo mosaicos coloridos, que enfeitam esta capela de forma peculiar e original.

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Detalhe da parte interna da Capela de Santa Cruz

A parte externa da capela ficou a cargo de Ângelo Millani, que reformou a parede frontal do prédio que ostentava uma grande rachadura, ornamentando depois a fachada com mosaicos compostos por formas abstratas.

Para a decoração do interior, o espaço recebeu o enriquecedor acréscimo de um conjunto de mosaicos criados por sua esposa Claudia Villar, concebidos originalmente para uma instalação realizada com sucesso por ela em 2005 na Capela do Morumbi, em São Paulo. Trata-se de 30 conjuntos retangulares, que ficam enfileirados em ambas as paredes laterais, assemelhando-se a uma surpreendente via-crúcis, plena de novos significados.

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Fachada lateral de uma capelinha em São Bento do Sapucaí.

Em volta dessas obras, foram criados novos nichos, com novos trabalhos, completando e preenchendo praticamente todos os espaços interiores. Além disso, foram também incorporadas pequenas peças produzidas por crianças em oficinas de criação. O efeito chega a ser perturbador, devido a grande concentração de informações visuais.

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Interior de uma capelinha em São Bento do Sapucaí.

Na mesma cidade de São Bento do Sapucaí, outra capelinha também foi construída por este casal, Ângelo e Cláudia, difundindo e estimulando cada vez mais a prática profissional do mosaico. É significativo o número de cidadãos que passaram a dedicar-se a essa modalidade artística, estendendo sua ação e difusão às cidades vizinhas.

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Capela do Mosaico, em Peruíbe/SP. Vídeo.

Também em São Paulo, na localidade de Peruíbe, encontramos a Capela do Mosaico, chamada de Capela de Nossa Senhora da Saúde, com o revestimento feito com mosaicos no estilo Opus Incertum, uma técnica romana de aplicação de mosaicos em alvenaria encontrada apenas na Itália.

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Painel interno da Capela do Mosaico.

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Detalhe de um painel interno da Capela do Mosaico.

Idealizados por frei Giorgio Callegari e pelo arquiteto italiano Roberto Corradini, o projeto e a construção da capela foram realizados, contando e mostrando a realidade nacional de imensos contrastes, resgatando questões como a miséria, a escravidão, o preconceito racial (brancos e negros) e de etnias.

Entre os trabalhos em mosaico, está a representação de uma imagem de Jesus feita em estilo bizantino. A perfeição dos trabalhos com mosaicos na Capela do Mosaico dá a impressão de estar olhando para uma pintura, por causa da perfeição dos encaixes entre as peças. A Capela do Mosaico é particular e pertence ao Recanto Colônia Veneza.

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Capela Nhá Chica, em São Lourenço/MG. Vídeo.

A Capela Nhá Chica, instalada na cidade de São Lourenço, Minas Gerais, é uma obra da arquitetura mineira.

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Figura externa da Capela Nhá Chica.

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Capela Nhá Chica.

Na década de 70, o carioca Marco Aurélio Dias, cansado da vida agitada da capital, abandonou a cidade do Rio de Janeiro e mudou-se para a pacata estância hidromineral de São Lourenço, em Minas Gerais, onde passou a levar vida solitária e separada do mundo. Na mesma época, começou a construir uma capela para o exercício diário da sua vida espiritual, com a intenção de fazer uma homenagem à Nhá Chica, serva de Deus que tanto ajudou e orou pelos pobres e doentes do Sul de Minas.

A Capela Nhá Chica hoje é aberta ao público e visitada pelos turistas, onde escutam a história da vida de Nhá Chica – Francisca Maria de Jesus -, do Padre Vitor e de outros personagens que marcaram a história religiosa da microrregião.

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Casa da Flor, em São Pedro da Aldeia/RJ. Vídeo.

Por último, uma casa: A Casa da Flor. Localizada em São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro,  Gabriel Joaquim dos Santos – (1892-1985), simples trabalhador nas salinas, filho de uma índia e de um ex-escravo africano – realizou uma única e poética obra, o que o colocou no seleto grupo dos “construtores do imaginário”, a que pertence o grande Antoni Gaudi, de Barcelona, por exemplo.

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Interior da Casa da Flor

Sonhador, anteviu um dia, em 1923, enquanto dormia, a imagem de um enfeite que embelezava a sua casa de pau-a-pique.  Mas ele não dispunha de recursos para realizar o sonho. Que fazer ? Desistir do sonho, apagar da memória a visão tão bela que o inconsciente lhe trazia ? Surgiu em sua mente uma ideia, que de tão bizarra fez com que muitos parentes e vizinhos passassem a olhá-lo com estranheza no início da tarefa a que se dedicou até morrer, 63 anos depois: usar o lixo abandonado nas estradinhas da região, garimpar nesses montes de detritos – de que todos se afastam – cacos de cerâmica, de louça, de vidro, de ladrilhos e de toda uma série de objetos considerados imprestáveis para o uso, tais como velhos bibelôs, lâmpadas queimadas, conchas, pedrinhas, correntes, tampas de metal, manilhas, faróis de automóveis… Sabiamente, ele comentava que fez uma casa “do nada” .

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Casa da Flor.

Sempre inspirado por sonhos e devaneios, passou a criar flores, folhas, mosaicos, cachos de uvas, colunas e esculturas fantásticas, que ia fixando dentro e fora da casa. Inventava luminárias com lâmpadas queimadas; nichos para proteção de um osso de baleia e de alguns bibelôs mais bonitos; molduras para retratos fixados à parede; uma estante chamada por ele de “altar dos livros”; bancos e armários de alvenaria, sensualmente aplicados, cobertos de ladrilhos coloridos. Gravava ou moldava com cimento inscrições para assinalar os trabalhos mais significativos… Uma composição de riqueza plástica surpreendente, o barroco intuitivo criado por um artista marginal e solitário. Não havia materiais nobres: o imprestável, o estragado, o feio, o inútil, transformavam-se através de seus olhos visionários em matéria preciosa para a criação artística. Verdadeiro alquimista, explicava: “tudo caquinho transformado em beleza”.

Embora não tenha sido construída com o objetivo de ser uma casa de Deus, Gabriel atribuía a Deus a realização da sua obra, tendo sido   fruto de inspiração divina:

“… Eu não tive escola. Aprendi no ar, aprendi no vento… Isso não é de mim. Deus me deu essa inteligência, vêm aquelas coisas na memória e eu vou fazer tudo perfeitozinho conforme sonhei.”

Autor: Catherine Beltrão

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