Restaurações desastrosas – Parte I

Restaurações de obras de arte, quase sempre, causam controvérsias. Quase sempre. Existem os casos extremos, quando são unanimidade. Explicando: há exemplos de restaurações praticamente perfeitas, em que mesmo um conhecedor não percebe onde a obra sofreu restauro e há exemplos em que a obra foi completamente descaracterizada, totalmente desfigurada da original. São as chamadas restaurações desastrosas. Nestes casos, tudo pode acontecer. Ou não.

Muitos devem lembrar do caso “Ecce Homo“, ocorrido em 2012, que tornou-se um dos maiores e mais explorados assuntos da internet.

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“Ecce Homo”, de Elías García Martínez: o “antes” e o “depois” da obra restaurada.

A obra a ser restaurada era um afresco do século XIX retratando Jesus Cristo, de Elías García Martínez,  localizada no Santuário da Misericórdia, em Borja/Saragoza, na Espanha. Cecília Gimenez, uma viúva espanhola de 83 anos, pintora amadora, prontificou-se a realizar o trabalho e deu no que deu.

Passados estes três anos, com o sucesso alcançado nas redes sociais, o ocorrido trouxe milhares de turistas para a cidade da idosa, o que fez crescer a economia local. Até as vinícolas da região disputam o direito de usar a imagem da obra restaurada em seus rótulos.

Mais recentemente, em maio de 2015, outro exemplo de restauração mal sucedida que teve ampla repercussão na Internet foi o caso dos mosaicos romanos no Museu de Hatay, naTurquia.

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Detalhe de um dos mosaicos: o “antes” e o “depois” da restauração

Nesta restauração, pelo menos oito peças foram danificadas. Além do serviço falho de restauração, a suspeita é de que os mosaicos tenham sido ainda mais danificados durante o translado do museu de Hatay para o museu de Antakya, no sul do país. Imagens divulgadas por um jornal local mostram o antes e depois das obras, que foram alteradas na forma, na cor e ficaram até mesmo sem alguns azulejos.

Um exemplo brasileiro de restauração desastrosa é o caso da imagem de Santa Bárbara na Fortaleza de Santa Cruz da Barra, em Jurujuba, Niterói/RJ.

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Detalhe da imagem de Santa Bárbara: o “antes” e o “depois” da restauração

A imagem de Santa Bárbara tem 1,73 metro e é feita em madeira. Informações oficiais dizem que ela foi recuperada para a festa do Dia de Santa Bárbara, em 4 de dezembro de 2011. Mas as modificações só se tornaram conhecidas em 2012,  graças ao historiador Milton Teixeira: “A gente sempre tenta manter as características mais antigas da obra. Com a ajuda da tecnologia, tenta-se ver se é possível restaurar o que está por baixo. Restauração é uma ciência. Não é qualquer pessoa habilidosa e que entenda de tinta que pode se aventurar a fazer“.

A restauração foi considerada “grotesca”, causando indignação a alguns frequentadores do local.

Três exemplos de restaurações desastrosas. Chegam a ser hilárias, como no caso do “Ecce Homo“. Mas é importante que haja investigação. Mesmo porque, as restaurações mal sucedidas descaracterizam a obra de um artista, desrespeitando, muitas vezes, o seu próprio contexto histórico.

O tema me parece bem interessante a ser explorado. Daí este texto ser a parte I. Outras partes seguirão. Aguardem.

Autor: Catherine Beltrão

 

 

Comments(2)

  1. Responder
    Eduardo Vieira says:

    Ótimo post sobre um tema que merece reflexão e muitas vezes é tratado de forma pouco atenta – pelo menos aqui na Terra Brasilis. Os casos que chegam aos informativos ainda são exemplos poucos dentre a quantidade de verdadeiras destruições que são apresentadas (e até comercializadas, ainda que descaracterizando totalmente a obra, a alma e o estilo original, acredite!) por gente que se diz séria no mercado de artes por aí….
    “and who the cap fit, let them wear it” (MARLEY, Robert)

    • Responder
      Catherine Beltrão says:

      É isso, Eduardo. Aí surgem as perguntas:
      Em restaurações desastrosas como essas, tudo indica que ocorre um crime. Qual seria? E em que momento começa a ser configurado este crime? Como é feita a investigação? Quem é o criminoso: o restaurador da obra? quem autorizou a restauração? quem aceitou a restauração?
      São muitas as perguntas. O tema merece ser explorado. Logo, logo, a parte II…

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