Serra da Capivara. Piauí, nordeste brasileiro. Capital da pré-história do Brasil. Uma das zonas arqueológicas mais importantes do mundo. Em 1979, foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara, que possui mais de 1000 sítios arqueológicos com pinturas rupestres de até 35 mil anos, dos quais 170 são abertos à visitação pública. Único parque americano incluído na lista da UNESCO como patrimônio histórico mundial, desde 1991.
O Parque Nacional da Serra da Capivara está prestes a fechar.
Mas vamos à narração histórica. Por que “Saga da Serra da Capivara”?
Tudo começou em 1970, quando o primeiro sítio arqueológico do Piauí foi descoberto pela paulista Niède Guidon (1933), formada em História Natural pela USP e com doutoramento em Arqueologia Pré-Histórica na Sorbonne, em Paris. Tendo morado na França de 1964 a 1992, o governo francês patrocinou suas primeiras excursões para pesquisas no local denominado São Raimundo Nonato, a região piauiense por onde ela começou a desbravar a origem do homem americano. Nesta região, Niède Guidon descobriu o esqueleto mais antigo do Brasil pertencente a uma mulher morta há 9 800 anos. Uma magnífica reportagem-documentário de Sergio Brandão – “Niède Guidon e as Origens do Homem Americano“, feita para o programa GloboCiência em 1990, mostra o entusiasmo de Niède com o trabalho já desenvolvido naquela época e o futuro da região e de seus habitantes.
Os achados arqueológicos no Parque Nacional da Serra da Capivara mudam a história do homem no continente americano. Isso porque a teoria conhecida até então apontava que os primeiros humanos chegaram ao continente por volta de 15 mil anos, vindos do Estreito de Bering. As pesquisas de Niède identificam a presença humana no local há 100 mil anos, o que muda a perspectiva da pré-história americana. Pela técnica do carbono 14, a pesquisa chegou à data de 58 mil anos. Abaixo desse período, os vestígios encontrados foram datados pela técnica da termoluminescência, quando se chegou a idade de 100 mil anos. A partir de 1991, as pesquisas da Dra. Niède na Serra da Capivara apresentam evidências irrefutáveis de que os vestígios encontrados estavam ligados ao Homo Sapiens.
Desde 1973, a professora Niède coordena pesquisas na Serra da Capivara. Em 1979, o governo brasileiro criou o Parque Nacional da Serra da Capivara, sem prever sua manutenção. Não havia funcionários, nenhuma estrutura para viabilizar o seu funcionamento. Para tomar conta do Parque, foi criada então a Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), inaugurada em 1986. Como não era especialidade de nenhum dos pesquisadores tomar conta de um parque, Niède entrou em contato com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que mandou técnicos fazerem um estudo para organizar o local e torná-lo auto suficiente. A ideia era que fosse um exemplo de como a proteção da natureza e a cultura poderiam desenvolver uma região, que era miserável.
Um imenso trabalho foi feito, com o financiamento do BID, da França e de instituições brasileiras, através da Lei Rouanet, como a Vale e a Petrobrás. Atualmente, o número de visitantes anual gira em torno de 25 mil, que poderia estar em 5 ou 6 milhões, caso já existisse o aeroporto de São Raimundo Nonato, planejado desde 1987.
Com a criação do Fundo de Compensação Ambiental em 2006, os recursos para a manutenção do Parque começaram a diminuir, até chegar à situação crítica atual: de 270 funcionários, o parque dispõe hoje de 40. Os 400km de estradas para a visitação do Parque estão totalmente esburacados, sem manutenção.
Em setembro de 2014, a Dra. Niède Guidon concedeu uma entrevista para o programa Roda-Viva, onde discursou sobre o Parque Nacional da Serra da Capivara e respondeu às perguntas sobre os desafios encontrados e o trabalho quixotesco que tem enfrentado nos últimos anos, para a conservação do Parque. Para quem se interessa pelo assunto, o vídeo de entrevista é imperdível. Duração: 1:30:27.
Em sua última entrevista, em 13 de julho, a Dra. Niède Guidon desabafou: “Eu era professora em Paris, filha de pai francês e mãe brasileira, comecei a trabalhar no Brasil, fazia cursos com meus alunos e em 1992 o governo brasileiro pediu à França para me emprestar para que eu fizesse o projeto para proteção da Serra da Capivara, porque sendo patrimônio da humanidade é obrigação do governo brasileiro protegê-lo. Então a França me emprestou, vim para cá, fiz todo esse projeto. Deixei de morar em Paris para morar em São Raimundo Nonato para defender esse patrimônio e não consegui. Realmente um fracasso total”.
O Parque Nacional da Serra da Capivara não pode fechar. O Brasil não pode perder este patrimônio histórico mundial. Não houve terremoto por aqui. Nem tsunami. Ou será que está havendo alguma coisa mais devastadora do que terremotos e tsunamis? Por que nossas imensas riquezas estão sendo desvalorizadas? Pra quê?
Alguma coisa precisa ser feita. Pelo Brasil. Por nós, brasileiros. Os verdadeiros.
Autor: Catherine Beltrão
Comments(7)
Catherine Beltrão says:
22 de julho de 2015 at 18:16O Parque Nacional da Serra da Capivara não pode fechar. O Brasil não pode perder este patrimônio histórico mundial. Não houve terremoto por aqui. Nem tsunami. Ou será que está havendo alguma coisa mais devastadora do que terremotos e tsunamis? Por que nossas imensas riquezas estão sendo desvalorizadas? Pra quê?
Quando a imoralidade impera, tudo desmorona, tudo é destruído. É muito pior do que terremotos ou tsunamis. Como é possível reverter este processo?
Marta Tajra says:
30 de julho de 2015 at 02:08Para reverter este processo precisamos da ajuda de todos os brasileiros, não só dos piauienses, no sentido de ir ‘contra a corrente’. Que corrente? Uma poderosa corrente política que inibe e freia a ação do Parque, porque não tem o mínimo interesse que a região se desenvolva. É a velha política do cabresto que ainda é usada nas várias regiões do Brasil. Mas, se nos unirmos contra esta corrente arcaica, poderemos reverter este quadro tenebroso que herdamos de uma política coronelista. No meu ponto de vista, é a única solução para salvar o Parque Nacional da Serra da Capivara.
Catherine Beltrão says:
30 de julho de 2015 at 10:31Falou, Marta! Vamos então fazer a nossa parte. Temos as redes sociais a nosso favor, para reunirmos o máximo de pessoas possível indignadas com esta tragédia anunciada de fechamento do Parque. Precisamos reverter este processo.
Cristiana de Carvalho Barbosa Ramos says:
4 de agosto de 2015 at 23:45Meu apoio total aqui do Rio de Janeiro.
Todo o mundo precisa estar junto nesta causa, não é a toa a Serra se patrimônio mundial.
ana souto says:
12 de agosto de 2015 at 03:31Vocês conhecem a REPEP ?
Juntar forças !
http://repep.fflch.usp.br/cadastro-repep
Sandra Oliveira says:
14 de agosto de 2015 at 03:00O que podemos fazer além de divulgar nas redes sociais? Qual ação prática? A quem remeter nossa indignação?
joelma says:
29 de agosto de 2016 at 00:58Entra no site FUMDHAM. Eles mostram como ajudar. Vamos Divulgar, nossas autoridades estão deixando morrer. É uma tristeza e vergonha.