Hoje, Dia Internacional da Mulher, resolvi escrever mais de um post. Este é reunindo três mulheres: a escritora Cecília Meireles, a pintora Edith Blin e a sua modelo Katia (eu).
“Mulher adormecida”, de Cecília Meireles
Moro no ventre da noite:
sou a jamais nascida.
E a cada instante aguardo vida.
As estrelas, mais o negrume
são minhas faixas tutelares,
e as areias e o sal dos mares.
Ser tão completa e estar tão longe!
Sem nome e sem família cresço,
e sem rosto me reconheço.
Profunda é a noite onde moro.
Dá no que tanto se procura.
Mas intransitável, e escura.
Estarei um tempo divino
como árvore em quieta semente,
dobrada na noite, e dormente.
Até que de algum lado venha
a anunciação do meu segredo
desentranhar-me deste enredo,
Arrancar-me á vagueza imensa,
consolar-me deste abandono,
mudar-me a posição do sono.
Ah, causador dos meus olhos,
que paisagem cria ou pensa
para mim, a noite densa?
“Mulher ao espelho”, de Cecília Meireles
Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seu
se morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.
“Retrato de Mulher Triste”, de Cecília Meireles
Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.
Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.
Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.
Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.
A poesia e a pintura sempre foram amigas. Minhas amigas. Edith chegou a ser cúmplice. Cecília, confidente de meus segredos de alma. Somos as três, mulheres. Mulheres da Arte e da Literatura. Que dádiva!
Fotos das obras: Ana Cláudia Gadini.
Autor: Catherine Beltrão