Ateliers e versos… (Parte I)

Conheço bastante o que vem a ser o atelier de um artista. Por três décadas convivi com o cheiro e as cores de tintas virando formas, com telas se empilhando em paredes e chão. Nesses espaços de arte, servi de modelo e escrevi versos.

Pretendo nesse post apresentar ateliers de alguns artistas que amo, ligados a versos meus que também amo.  Como são muitos os artistas e não menos os versos, será uma trilogia.  Aqui, a Parte 1.

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Atelier de Marc Chagall

Fluxos e Anseios (maio de 1977)

Volto para o tempo dos sons despertos
no abandono da dor.
Volto para as cores da noite
que se movimenta e me percorre.
A tristeza se desprega dos pontos
de encontro e se encontra perdida
entre um e outro pensamento.
Sou das que arrebentam a paz,
das que se misturam às águas
do horizonte e do universo
para poder ser totalmente eu.
Venho mergulhar no desespero maior
da agonia crescente do conhecimento.
Sinto o poder da vertigem
a devorar corpos e espaço.

Volto para a juventude inacabada
de meus fluxos e anseios.

Atelier de Paul Cezanne

Adormeço em branco (setembro de 1978)

Sinto-me inerte.
Não apática.
Não presa.
Não na espera.
Mas pisando, pousando
Encostando, empurrando
Me achando plenamente
Debruçada na inércia.

Tento a voz,
me vem o sopro.
Tento o gesto,
me vem o peso.
Tento a lágrima,
o silêncio impede.

 Devolvo tristeza a estrelas.
Entrego poesia no acalanto do asfalto.
Desnudo a mente da ilusão.
Adormeço morna … e em branco.

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Atelier de Pierre-Auguste Renoir

Momento de agonia (março de 1975)

Respiro intensamente
mais um momento de agonia.
Tranco meus sentimentos,
fujo do presente,
Perco-me no etéreo da vida.
Meu corpo se atrofia
contemplando o horizonte
de minha imaginação.
As estrelas passaram
de incentivo a objetivo.
O amor me consumiu
até a eternidade…
Constato aos poucos
A perda do sentido humano
de minha existência.

Atelier_Rodin

Atelier de Auguste Rodin

Vez da fantasia (outubro de 1974)

Foi numa tarde igual
Toda morna e de fumaça
Que fui saber das coisas.

Me consumiste de segredos
Me confundiste com teus medos…

Foi o pranto que chegou
E que logo se fez saudade
Que o espanto deixou passar.

Me pressentiste na poesia
Me preveniste da alegria…

Foi a vez da fantasia
Estranhar o acontecido
e se debruçar na paisagem.

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Atelier de Pablo Picasso

Sem unidade (outubro de 1974)

Estou sem unidade.
Fui dividida
até o último pedaço.
Não passo de um resto
de vontade de ser.
Me vomitaram ideias
abortadas de mentes
insatisfeitas.
Estou desacionada.
Fui colocada
no fundo da noite.
Não consigo me juntar
a qualquer sentimento.
Me deixaram sem útero,
com um cérebro tenso.

Chagall, Cézanne, Renoir, Rodin e Picasso. Cinco imensos artistas. Em seus espaços de criação. E se junto meus versos a estes espaços é que aprendi a amá-los plenamente.

Autor: Catherine Beltrão

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