Fraudes: o lado avesso da Arte

Não é de hoje que obras de arte estão envolvidas em escabrosos episódios históricos envolvendo fraudes, corrupção, roubos, falsificações e afins. É o lado avesso da Arte. E o que sai na mídia, o que é difundido, é a ponta do iceberg.

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“O grande altar de Ghent”, de Jan van Eyck. 1432, óleo sobre madeira, 350 x 461 cm.

Pelo que já pude pesquisar, parece que a primeira transação suspeita com uma peça de arte, foi aquela que envolveu o famoso Altar de Ghent, na Bélgica. Desde que o pintor Jan van Eyck (1390-1441) fez sua última pincelada, em 1432, os 12 painéis do quadro foram desmontados, adulterados, saqueados, contrabandeados, escondidos, censurados, vendidos ilegalmente, danificados pelo fogo, envolvidos em discussões diplomáticas, procurados tanto por Napoleão quanto  pelos nazistas…

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“Girassóis”, de Van Gogh. Obra sob investigação de falsificação.

Com relação a falsificações de obras de arte, todos os artistas nacionais e estrangeiros que têm mercado sólido são falsificados. Um dos pintores mais falsificados é Vincent van Gogh (1853-1890), com cerca de 45 obras, entre desenhos e pinturas, sendo questionadas de autenticidade. Uma delas seria “Os Girassóis“, vendida à empresa japonesa Yasuda Fire & Marine Insurance Co Ltd, em 1987 por US$ 41,46 milhões. Quanto aos artistas brasileiros, um dos mais falsificados é Cândido Portinari (1903-1962), com mais de 700 obras já investigadas. Mas aqui no Brasil, do contrário que no exterior, muitas dessas obras pecam pela falta de sutileza nas imitações, sendo reproduções de baixa qualidade, dotadas de falhas bastante grotescas.

Milhões de reais em quadros apreendidos ou recebidos como pagamento de dívidas também recontam histórias de fraudes, falências e liquidações das últimas décadas no Brasil. Muitas estão espalhadas em órgãos públicos como o Banco Central (BC) e a Caixa Econômica Federal, onde foram parar devido à legislação da época em que foram retomadas dos proprietários.

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Obras expostas no BC, apreendidas como pagamento de dívida de bancos liquidados. Foto de Jeilton Alves.

Em decorrências de fraudes bancárias, falências e dívidas em atraso, o BC reúne 554 obras de fazer inveja a muitos museus. Na lista estão nomes consagrados da pintura brasileira como Candido Portinari, Alfredo Volpi (ítalo-brasileiro), Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti.

Outra forma de fraude é a lavagem de dinheiro através do investimento em obras de arte para dar uma fachada legal à propina recebida de contratos com grandes empresas. É uma prática muito antiga.

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Obras de Nelson Leiner e Miguel Rio Branco, apreendidas na Lava-Jato. Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba

Durante a Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2014, que investiga um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro, envolvendo a Petrobrás, grandes empreiteiras e políticos, a Polícia Federal apreendeu cerca de 132 obras de arte. Mas esse acervo pode ser considerado minúsculo se comparado às 12 mil telas do acervo particular do banqueiro e controlador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, preso em dezembro de 2006, condenado a 21 anos de prisão por lavagem de dinheiro, crime organizado e formação de quadrilha.

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Sala da casa de Edemar Cid Ferreira, ex-controlador do Banco Santos: um belo museu com esculturas, pinturas a óleo e fotografias raras

 O acervo de Edemar que ornava sua mansão tinha estátuas romanas e tesouros de arte datados dos séculos 14 a 11 a.C. Havia esculturas, pinturas a óleo, fotografias raras, achados arqueológicos e obras contemporâneas de artistas consagrados.

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“Hannibal”, de Jean-Michel Basquiat

Boa parte destas obras que compõem estes acervos apreendidos tem histórias muito interessantes. É o caso da obra “Hannibal”, de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), que aportou no aeroporto internacional de Londres num caixote em que se declarava obra sem nome, no valor de 100 dólares. Só mais tarde é que os investigadores federais descobririam ser de Basquiat e valer 8 milhões de dólares. A pintura era parte de uma coleção de 12 mil peças montada por Edemar Ferreira enquanto controlava o Banco Santos – algumas expostas em museus como o Guggenheim, em Nova York.

Moral (ou será imoralidade) da história: o que se tem observado, através da criminalidade organizada no contexto do mercado de arte, é que a compra de uma obra não é norteada pela sua qualidade e sim pelo valor que atinge no mercado nacional, em franca expansão, e internacional. Em outras palavras, as fraudes incrementam a valorização da obra de um artista. E vice-versa.

Autor: Catherine Beltrão

Comments(4)

  1. Responder
    Roberto Fonseca Vieira says:

    Catherine Beltrão!
    Essa é uma ação que apenas posso imaginar sua existência, assim como ocorre em vários segmentos da sociedade. Seja na política, na economia, na cultura e na arte parece não ser diferente. Lamento muito que ao ver alguém, como você, que tem como objetivo, nesse seu tabalho, difundir a arte na sua maior expressão cultural e plena tenha que observar o lado avesso da arte.
    Roberto F. Vieira

    • Responder
      Catherine Beltrão says:

      Roberto, julgo importante também mostrar o lado avesso de algo tão grandioso como a Arte. Por quê? Porque tudo está na mão do homem, no cérebro humano, até mesmo transformar o belo em algo escabroso. É importante saber que isto existe e sempre existiu e, com toda certeza, continuará existindo. O homem, através dos tempos, tenta acabar com a natureza, com a beleza, com a esperança. Resta a nós, os criadores, os apaixonados, continuar criando, continuar abrindo caminhos para o belo. É esse o meu caminho.
      Mas o avesso da Arte existe. E precisamos saber disso. Para evitá-lo. Para rejeitá-lo.

  2. Responder
    Roberto Fonseca Vieira says:

    Catherine Beltrão!
    Errata: trabalho
    Roberto F. Vieira

  3. Responder
    Eduardo Vieira says:

    É triste constatar que a mão de uma espécie que é capaz de criar o Belo, também é capaz de atrocidades sob a justificativa da ganância e ambição, que só conduzem a autodestruição…

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